Black Media Skate

Crítica: We Are Blood

Se você conhece pelo menos alguns vídeos do Ty Evans, como o Sixth Sense (que já trazia narração em off), o Yeah Right! (que chutou o pau nos efeitos especiais) e até mesmo o primeiríssimo vídeo do cara, o Interface, já deveria imaginar o que seria o We Are Blood. E o filme é isso mesmo: a expressão máxima (e endinheirada) de tudo que Ty Evans sempre experimentou, inventou e gostou de fazer. Sempre gostei dele por tentar trazer coisas novas pros vídeos de skate, arriscar, fazer o que tinha vontade. Continuo gostando disso. Mas vamos falar do We Are Blood.


O TRAILER E O COMEÇO

O trailer prometeu um documentário sobre o que é ser skatista. Ponto final; foi assim que o filme foi vendido. Manobras, só pra ilustrar. Muito texto clichê, gancho emocional e exaltação do estilo de vida. Em entrevista, Ty Evans afirmou que a intenção era mostrar o skate pro resto do mundo pelos olhos dos skaters. Dei o play no filme, olhei na barrinha de tempo e percebi que tinha uma hora e meia pra assistir. “Bom, é um documentário mesmo. Vídeo de skate não tem esse tamanho”, pensei. Vamos em frente; eu gosto pra caralho de documentário.

Eu não ligo e até gosto de cenas roteirizadas em vídeos de skate (tipo a montagem com Fatlip de fundo no Yeah Right!), mas colocar o P. Rod sendo atropelado pra começar o filme não dá. Vergonha alheia. E o fato da produção do filme ter fechado, sabidamente, vários picos pra poder filmar, só piora as coisas. O P. Rod não vai ser atropelado. Os caras fecham a rua pra ele remar. Não consegui engolir aquilo, ficou muito ruim. Até a cara do dublê fica nítida no primeiro frame da cena (foto abaixo). Já deu uma brochada. Não é qualquer um que coloca cena dramatizada no meio de um filme “não-ficção”, e com certeza não foi o Ty Evans que conseguiu aqui.

A partir daí, rodam os créditos iniciais, no melhor (ou pior) estilo X-Men, com logos e nomes dançando com o DNA, células e moléculas do sangue do Paulinho. Começou.

CADÊ O DOCUMENTÁRIO?

Aos seis minutos e pouco, começa uma edição frenética de skate, com metalzão pesado rolando. “Bom, deve ser uma partezinha pra afirmar que o vídeo não é só falação, pra mostrar manobra, afinal tem gente boa pra cacete no filme”, imaginei. Aí essa parte acaba e vem a revelação: WE ARE BLOOD É UM VÍDEO DE TOUR. Joga o trailer fora. Eu gosto pra caralho de vídeo de tour (o Tent City é top 5 dos meus vídeos preferidos), mas ficou estranhíssimo aqui. Por que esses caras estão na mesma barca? Um é surdo, o outro é ruivo, o P. Rod é rico, o Tiago Lemos é a revelação, o outro é barbudo… Mas e aí? O que une esses caras? Eles tem patrô da Mountain Dew (eu não sei mesmo e tô com preguiça de pesquisar)? Achei meio nada a ver, por mais que todo mundo ande muito.

A cada cidade que a tour foi passando, mais e mais partes pesadíssimas vinham. Não é assim que você apresenta o skate pro mundo, pra quem não anda de skate. Quem é leigo não vai apreciar um wallride fifty batendo a cara na planta; é só mais uma “maluquice dos caras”. A atenção de quem não anda já fica pra trás na primeira parte de manobras. Não me entenda mal: tem manobra aqui que vai ficar pra história. Mas se existe um jeito de fazer um vídeo de skate, skate mesmo, pro público leigo, não é esse. Quando chegamos à Barcelona, seu pai ou seu avô, que não andam, já vão estar jogando Sudoku no celular.

A QUALIDADE

Não dá pra discutir: Ty Evans é o cara que mais sabe usar as tecnologias disponíveis atualmente. Sempre foi um dos melhores em inovar, inventar, experimentar. A fotografia, a captação, a edição, o áudio… É tudo impecável. Ele é bom, bom pra cacete. Não pense que o mérito é dos equipamentos; a câmera não se configura nem faz o enquadramento sozinha. Não adianta ter equipamentos de US$1.000.000,00 se você não sabe tirar o máximo proveito. Ele e a equipe são bons de verdade. We Are Blood é um espetáculo visual. Mas é aí também que a primeira coisa me incomodou. Parece que o diretor tenta mostrar a toda hora que tem drone, helicóptero, que adaptou câmera aérea num carro, que o frame rate tá alto, que o som é Dolby. Isso me rouba a atenção. Parece um demo reel de uma hora e meia. Se eu fosse comparar, diria que o Ty Evans tornou-se o Zack Snyder do skate. Tudo tem que ter slow, tudo tem que parecer épico, imaculado (citando o Cotinz no TGBMWSSS). We Are Blood é um “300” do skate. Há cenas em que o slow motion é milimetricamente preciso e valoriza, mas tem horas que é um exagero desnecessário: um tapinha nas costas, um peteleco na lasca do shape, uma carta de baralho sendo jogada à mesa, o feijão na panela do Tiago Lemos… É fácil se impressionar, mas se você assistir prestando atenção, ou se gosta de cinema “comum” também, vai se encher o saco de verdade. Chega de slow, por favor. Sério, chega.

O skate não tem que ser intocável, tem que te trazer pra perto, fazer você participar, te colocar junto dos caras. O skate do We Are Blood é tão bom, com imagens tão boas e tão pensadas, que me pareceram distantes em vários momentos. Acabaram colocando quem assiste numa cesta separada. Com certeza não é o caso, mas até as comemorações quando alguém acerta uma manobra parecem artificiais, roteirizadas. Parece que alguém disse: “Corre lá, abraça ele e olha pra cá”.  Sou completamente a favor da tecnologia, mas quando ela começa a passar a sensação de distância, me empurrar pra longe,  fico incomodado. E nem me pergunte como fazer pra isso não acontecer; eu também não sei.

“ME DÁ IBAGENS, COMANDANTE TY”

Ty Evans virou um anjo. Um anjo com câmeras 4K, pairando solenemente sobre os mortais. Essa é a impressão que você tem assistindo ao We Are Blood. As imagens de drone e helicóptero são executadas com maestria, mas são tantas, mas tantas, que as cenas onde o drone realmente faz diferença acabam perdendo parte do impacto. É tudo mutio bonito, mas se você parar pra prestar atenção, analisar friamente, toda hora tem câmera voando. Tem hora que enche o saco. O fifty drop-ribanceira do Clint Walker em Dubai é justificável. Agora, me explica pra quê você subiria com 15 amigos num heliponto de Dubai pra andar num caninho. Sério, Ty Evans? A gente já percebeu que a Mountain Dew investiu pesado no filme. Desce do heliporto, cara. Nada a ver.

TIAGO LEMOS E OS BRASILEIROS

Paul Rodriguez pode ser o “protagonista oficial” do filme, mas quem se destaca, do começo ao fim, é o Tiago Lemos, que até ganhou um “mini perfil” dentro do filme. E não é patriotismo, é um fato. Por mim, ele poderia ser romeno ou turco, tanto faz. A impressão que fica é que ele nem dormiu durante as filmagens, de tanta manobra FODA que soltou. O cara é um monstro, e finalmente chegou a vez do resto do mundo saber disso. O rolê mais bonito e marcante do filme, de longe. Sempre com um sorriso no rosto. A sinceridade da alegria dele te aproxima, pelo menos um pouco. E eu não sou amigo dele, nem conheço pessoalmente. Além dele, Formiga, Wilton Souza, Kaue Cossa e todos os outros representaram bem na merecida parte que Ty Evans dedicou ao Brasa. Só um último detalhe: produção milionária não pode errar os nomes dos “atores”. Kaue Costa, Rodrigo Peterson e Juao Gabriel não pode. Renderiza de novo isso aí. Falha gravíssima.

ONDE FICA O WE ARE BLOOD?

É um documentário? É um filme de skate? We Are Blood, pra mim, acabou parando num limbo. Se você assistir como vídeo de skate, tem partes chatíssimas entre uma montagem e outra. Se você assistir como documentário, não vai gostar, porque ficar falando que o “skate te ensina a levantar e tentar de novo” não me emociona; é falta de imaginação, roteiro preguiçoso. A não ser que você goste de ficar ouvindo obviedades durante uma hora e meia.

Eu gostaria de ver a história do Caballero, do Cardiel, ou do Jay Adams em um documentário do Ty Evans, com essa qualidade e paixão que o cara tem. Também gostaria de ver um vídeo da Girl, da Element ou alguma outra marca com o time bom, feito com essa estrutura. Mas não vou assistir o We Are Blood inteiro de novo. Se alguém aí tiver a bondade de editar as partes de skate juntas e tirar o resto, eu assisto. Tirando o We Are Obvious e deixando o We Are Skaters, vale a pena.

CONCLUSÃO

– Em termos de manobra, um dos vídeos mais revolucionários já feitos. Em termos de qualidade técnica, um divisor de águas. Em termos de roteiro, uma porcaria.

– Parem de passar vergonha e falar que é o melhor vídeo de skate já feito. Não existe “o melhor vídeo de skate”. Quando uma coisa tem vários pontos de vista, não existe o melhor. Tem gente que acha que é o Questionable. Tem gente que acha que é o Fully Flared. Nenhum deles é. Nenhum nunca vai ser. Só o Shotgun.

– We Are Blood é um filme ambicioso, impossível de ser ignorado e entrega o prometido: produção hollywoodiana, muito clichê no texto e skate do melhor. Com grandes marcas (e seus dólares) chegando no skate pra ficar, e a tecnologia cinematográfica avançando a passos largos, We Are Blood é um filme que viria inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde . É bom que tenha ficado nas mãos de um skatista, um cara com história dentro do skate e que realmente ama o que faz. Mas o maior papel do filme vai ser dentro da cabeça de cada um que assistir: ou você vai descambar de vez pro lado das super produções, cheias de efeitos especiais, e passar a consumir o “skate épico”, cheio de logos e slow motions exageradíssimos, ou vai sentir vontade de vomitar e sair correndo pra assistir um Flip Sorry da vida. Ou até mesmo um Beer Helmet, mais cru. Mas assista ao We Are Blood, pelo menos uma vez. Vale a pena por vários motivos.

– Com esse roteiro, o filme funcionaria melhor, pra mim, como uma série, um programa com episódios ou algo do tipo. Episódio do Brasil, episódio de Bali. Uma hora e meia de vídeo de skate não dá. Conheço vários caras que disseram que não vão assistir de novo porque é muito grande. Também conheço alguns que já viram três ou quatro vezes, mas fico no primeiro time. Inteiro, duma vez só, do começo ao fim, vai ser difícil. Você vai assistir de novo inteiro, sem pular o atropelamento do P. Rod?

– Você também estranhou uma tour da Mountain Dew passar por Skatopia? Sinal dos tempos.

– Ninguém vai acreditar que a tour da Mountain Dew precisa cortar cadeado, pular grade e invadir propriedades pra filmar. Isso incomoda, do mesmo jeito que incomoda a parte que tenta empurrar o Dew Tour guela abaixo do espectador. Já tem Mountain Dew durante todo o filme, não precisava daquilo. Destoou completamente do resto, que é só estrada e cidades legais. Não coloca campeonato no meio disso.

– Alguma marca precisa pegar o Ty Evans pra fazer um vídeo de skate tradicional de meia hora, quarenta minutos, com a mesma estrutura e equipamentos que ele usou no We Are Blood (ou pelo menos uma parte), sem frases clichês pra brochar no meio.

– Alguém aí sabe me dizer que gosto tem um Mountain Dew? Nunca tomei.


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