Eu quero ajudar. De coração. Sei que o skate na TV aberta e nos grandes portais já é um caminho sem volta, não vejo problema nisso. Só quero ajudar a não ficar tão ridículo, a trazer as transmissões e matérias da grande mídia pra mais perto da realidade de quem anda de skate. Não vou pedir coisa muito difícil, como chamar skatista de skatista e não de atleta. Eu sei que isso nenhuma mídia tradicional vai conseguir, está impregnado nas entranhas das mídias de esporte. Tudo bem, essa passa. Mas tem coisa que dá pra mudar. Eu sei que vocês conseguem.
arte por Marcio Moreno
SKATE FOR DUMMIES
A pior coisa ao apresentar algo novo é tratar o leitor/telespectador como um burro completo. Do mesmo jeito que você não pode falar com uma criança de cinco anos como se ela fosse uma completa idiota, você não deve assumir que seu público, seja qual for, é burro demais pra entender algo novo. Coloca um “hardflip” no texto e deixa os interessados irem atrás de saber o que é, não precisa explicar o movimento do skate, do pé. Assim você estraga tudo, fica chato e horrível. Fala na transmissão da TV que o cara é “regular” ou “goofy” e deixa por isso mesmo. Ou explica uma vez e pronto, não toda vez. Faz bem, desperta a curiosidade. Porra, eu aprendi o que eu sei sobre skate sem internet, andando nas escadinhas do McDonald´s, nas ruazinhas do bairro com mais dois amigos, perguntando e andando, vendo revista de skate, e você quer ficar passando a mão na cabeça de pessoas que tem o Google no celular? Hoje é muito mais fácil! Explicar o necessário faz bem, mas tratar como imbecil é ofensivo, vergonhoso. E se você é skatista e é convidado pra comentar na TV, não aja como um completo debilóide, explicando a física de cada manobra e claramente tentando ao máximo não usar as gírias do skate. Eu sei que eles pedem, mas tenta dar uma segurada. É bem ridículo e todo mundo, inclusive seus amigos, dão risada da sua cara. Mas só se der; se não der, vai na sua: “Oh yeah, insaaaano! Incrível o nosegrind, só com o eixo da frente, Galvão!”. Estaremos todos aqui tirando uma da sua cara.
O MELHOR SKATISTA DO MUNDO
Atenção, Globo Esporte: isso não existe. É impossível dar esse título pra um(a) skatista só, e não são vocês que vão conseguir. Quem é melhor, Daewon Song ou Aaron Jaws? Danny Way ou Quim Cardona? Mike Vallely ou Guy Mariano? A maioria das métricas do mundo real não se aplica ao skate. O skate não tem muita matemática, é arte. Usain Bolt é o homem mais rápido do mundo? Sim, você olha pro cronômetro no fim da corrida e tem a confirmação. Talvez você consiga definir quem é o skatista mais rápido do mundo, mas isso vai fazer tanta diferença quanto a volta da éS. Não se mede a qualidade do skate de alguém desse jeito. Eu sei que é difícil entender, mas a beleza é essa. Se vocês tentarem com vontade, fizerem bastante força, um dia vão entender que é mais legal assim: aproveitar as diferenças e nuances de cada pessoa que sobe num skate. Resumindo, pra reforçar: não existe o melhor skatista do mundo. NÃO EXISTE. Parem.
SKATE NA RUA
Essa talvez seja a mais difícil de explicar pra quem não anda. Algumas matérias dos últimos anos, noticiando a inauguração de pistas públicas, afirmavam que, agora, os skatistas não precisariam mais andar na rua por falta de lugares próprios. O skate não está na rua por falta de opção. A opção é a rua. As pistas, quando bem feitas, são legais, necessárias, sempre bem-vindas. Mas elas não vão tirar o skate da rua. Na melhor das hipóteses, vão melhorar as manobras dadas na rua. Se esquecermos que cimento e pedra são feitos por mãos humanas, poderíamos dizer que a rua é o “habitat natural” do skate. A pista é um ponto de encontro; é o zoológico, não a selva. Eu sei que dói pensar em dividir o espaço com pessoas que passam por você a milhão, rindo, curtindo a cidade, mas é a vida. Nem todo mundo usa as ruas só como caminho do ponto A pro ponto B.
SKATISTA X SKATISTA
Apesar de já haver sinais contrários (como uma cena ridícula que vi esses dias no Street League feminino), vejo o skate como o último reduto da competição saudável. Ainda promove disputas amigáveis, onde um skatista comemora quando o “adversário” acerta a manobra. Por favor, mídia tradicional, não tentem criar uma babaquice nos moldes Brasil X Argentina dentro do skate. Deixa a gente torcer pro acerto, é mais legal que torcer pro erro ou pra um indivíduo só. Eu sei que vocês precisam ter um vencedor pra poder entrevistar, puxar o saco, criar um herói pros leigos, mas vai na minha que dá certo. Obrigado.
O CAMPEÃO DO MUNDO
Essa é difícil também. Sempre que o entrevistado tem um troféu na estante, a mídia tradicional transforma aquilo em sua principal conquista, no carimbo de legitimidade, e repete quantas vezes puder. Mas qual é o campeonato mundial? Street League? Park Series? Oi Bowl Jam? Münster? Se a Black Media fizer um campeonato e chamar 15 brasileiros, dois americanos e dois europeus, podemos considerar o vencedor campeão mundial? O Black Media World Cup Open Pro? Vou reforçar, porque eu sei que é difícil pra vocês entenderem: a competição é só uma das faces do skate, e não é a mais importante. Posso usar um exemplo, pra facilitar: é como se fosse mais legal ver o Edilson, em 1999, fazendo embaixadinha contra o Palmeiras, do que vê-lo ganhando o jogo. Eu sei, eu sei… Tá doendo a cabeça, mas eu sei que você consegue entender.
GÍRIAS E TERMOS
“A vibração da galera”, “fera das manobras”, “show de skate”… Não queria ser eu o responsável por dar essa notícia, mas nem quem não anda de skate acha esses termos legais. Vocês estão passando vergonha com os skatistas e com os leigos, não estão sendo descolados, xóvens. Tá mais pro Boça querendo se enturmar. Veja bem, não quero que vocês comecem a falar que “o pai é rua”, “ele tá bem jahjah”, “tá cas trick no pé”, “o ganha pão tá em dia”. Jamais pediria isso pro tiozão que quer ser legal. Mas convidar um skatista que não seja um completo bobão e dar liberdade pra ele já é um começo: “Olha, fala do jeito que você fala no seu dia-a-dia, evite palavrões, mas aja o mais natural possível. Vai lá”. Talvez melhore. Talvez piore, dependendo de quem vocês chamarem. Mas é preciso tentar alguma coisa, porque os níveis de vergonha alheia estão atingindo picos nunca vistos. É isso, espero ter ajudado. Tomara que eu não precise fazer a parte 2.