Madam Gran é multiartista visual de Balneário Camboriú, Santa Catarina, e em 2023 completou 10 anos de assinatura das suas obras de ilustração, pintura, direção criativa, roteirização e projetos de “Lei de Incentivo à Cultura”. Madam é pseudônimo e persona de Cindy, skatista desde os oito anos de idade e integrante do coletivo feminino Minas Skate Crew, como professora de skate e artista residente da marca. A partir de uma ‘LIC’ escrita em homenagem à sua década, patrocinada pela Fundação Cultural de BC, nasceu o DÉCADA MADAM, um minidoc que conta sobre seus processos criativos, a história da arte através de releituras pintadas em shapes de skate, suas inspirações como mulher, seus sonhos lúcidos, cores, traços, riscos e planos.
Junto ao KZALAB estúdio, dirigido por Heifara Nascimento, o filme ilustra e vislumbra a fundo a alma da artista e como acontecem suas composições em vida. Um registro histórico das transições entre arte, skate e o feminino. Durante as gravações foram criadas telas e ilustrações que estamparam shapes, distribuídos ao final do projeto em exposições e num best trick para crianças e atletas da região com apoio do Minas.
Madam Gran traz o poema das ruas sob sua arte.
Além do minidoc, que aborda a artista, conversei com a Cindy pra falar um pouco mais sobre o Minas Skate Crew. Leia abaixo:
O filme explora o seu lado artista, mas você também é bem atuante no Minas Skate Crew, que é uma parada muito legal. Explica um pouco da história e do que é o Minas Skate Crew.
O Minas nasceu em 2013, com a Gabriela Homem, que é a precursora e idealizadora do projeto, da marca como coletivo. A Gabi é de Curitibanos e trouxe de lá, a partir de aulinhas que ela começou a dar pras amigas e pras crianças. Ela inventou esse movimento e trouxe pra Balneário Camboriú um tempo depois. E como eu já andava de skate há muito tempo, abracei a ideia junto com várias outras skatistas locais: a Sayuri, Bebel, enfim… A gente começou com as aulinhas e depois o Minas se tornou uma marca, com vestuário, peças de roupa. Começamos a focar nas profissionais que estavam envolvidas com a marca. A partir daí, criamos as coleções com artistas como a Julia Rodrigues, eu assinando como Madam… Acho que o Minas foi por aí. Como é um coletivo feminino, são várias profissionais envolvidas que utilizam o skate como fonte de inspiração, como ferramenta pra desenvolver a parte audiovisual, projeto cultural, a gente faz os bailinhos também… O skate movimenta toda essa cena e o Minas faz isso acontecer.
O coletivo tinha uma ideia original ou já nasceu fazendo um monte de coisa?
A Gabi é aquariana, né? Então ela quer abraçar o mundo. Mas a gente uniu esses pequenos pontos. A Gabi chegou com a ideia de coletivo mesmo: a gente precisa unir as mulheres, dar acesso às mulheres no skate, empoderar, precisa se unir. Ela veio com essa ideia, com a ideia de dar aula, e eu vim com a ideia da gente estar em campeonato, desenvolver, ter atleta. Vim com a ideia da parte artística também. E isso foi criando a marca, projeto social, abraçando várias meninas ao redor. A ideia inicial do coletivo sempre foi unir as mulheres, empoderar e dar acesso em todas as plataformas que o skate possibilita, sabe? Não só no esporte, mas também profissionalmente.
A ideia principal disso tudo então era preencher os buracos do skate feminino, onde não estava acontecendo muita coisa na área de vocês. Fazer acontecer.
É isso, e com o tempo foi desenvolvendo, né? Foi criando essa nova proporção da gente ver que, pô… A gente precisa também de um campeonato feminino, a gente precisa de atleta, a gente precisa de um espaço feminino. Isso foi se desenvolvendo durante esses oito anos de caminhada do Minas. Fomos tomando consciência do nosso lugar também, e como a gente faz ponte, né? Não só como marca, como artista, mas como ponte mesmo.
E hoje essas outras coisas, a marca e tal, ajudam a autossustentar o coletivo?
É isso, é realmente autossustentar. Sustenta parte do projeto social, parte do corre pra estar sempre injetando nesse movimento, viajando, trazendo alguma bagagem e apresentando aqui também, fazendo a marca, fazendo evento… É o que faz o corre acontecer. E a gente tem sempre muitos apoios, né? De outros artistas, outras marcas, enfim… Que ajudam, mostram a importância desse projeto.
E qual você diria que é a principal atividade do Minas Skate Crew hoje?
É o Aprender Dropando, com certeza. É o nosso projeto social voltado para as meninas. A gente começou dando aula dentro de um colégio, um colégio público estadual aqui em BC, o Igino Pio. O pessoal de lá abraçou nossa causa, começamos a dar aula e começaram a aparecer mulheres mais velhas, com bebezinhas, que curtiam o dia inteiro com a gente… Sabe? Começou a ser muito importante. O projeto social a gente leva também para o bairro da Barra. Não tem como largar essa parte educacional, esse acesso cultural que o skate nos dá. Então acho que a parte mais importante é disponibilizar essa ferramenta saudável de união, de coletivo que o skate proporciona, sabe? É o projeto social, sem sombra de dúvidas. Claro que o Minas vem dotado de uma identidade visual muito style por parte das artistas, enfim, de toda a história, mas a marca só é marca porque a gente faz o social acontecer. Sem essas crianças a gente não é nada.
Eu sinto que esses coletivos de skate feminino sempre nascem em um lugar e aí, se tem alguém que leva a sério, que é a cabeça do projeto e dá continuidade, as coisas começam a tomar uma proporção nacional ou até internacional. A Britneys que é do RJ, Divas com a Estefânia, de Cuiabá… Vocês sentem que já aconteceu isso com o Minas, de estourar a bolha local?
Cara, às vezes a gente não tem noção do alcance, né? Como tu falou, o Divas, a Stefânia… O que eu vejo das meninas é que elas tem a essência do skate, e é por isso que são quem são, as plataformas que elas são, sabe? E assim como elas, aqui em Santa Catarina eu tenho certeza que a gente é essa plataforma. Esse ponto de encontro, pelo menos. Podemos não ser as únicas, mas a gente faz de coração o tempo todo, de essência. Desde os meus oito anos eu ando de skate, eu competia com menino quando eu era criança. Não tinha o que a gente tem hoje, então é muito importante isso pra gente. E eu não sei o tamanho do nosso alcance, mas que essa projeção reverbere. Acho que o importante é que em cada pontinho a gente faz essa união entre os coletivos femininos e estamos acontecendo juntas.
Nos últimos anos, com Rayssa aparecendo pro mundo, esse tipo de exposição do skate feminino, vocês viram um impacto real no projeto de vocês?
É real, não tem como negar que girou a chavinha, transgrediu as regras mesmo. Uma por estar nas Olimpíadas. Já quebrou muito padrão aí e eu acho que possibilitou, sim, abrir a mente de muita gente para o esporte. E possibilitou também o acesso de cada vez mais meninas. Enfim, a mídia usa quem quer da forma que quer, né? Mas quando te dá uma chavinha para tu acessar esse lugar… Eu acho que a Rayssa fez muito isso, esse brilho olímpico. Claro que vem a história da cobrança, o skate de alta performance e blablablá, mas a missão do skate é mostrar que não tem regras no skate, né? A gente tem que subir num carrinho, andar e se divertir. Que bom que tá tendo essa visibilidade, esse alcance.
Chega muita mãe, muito pai, querendo ensinar a filha a andar de skate pra ser campeã? E aí vocês dão aquela segurada?
Volta e meia a gente vê uns pais que são malucos assim. Mas eu acredito também que as pessoas estão começando a respeitar as crianças, enxergando os limites. Eu vejo que não tem como tu forçar uma pessoa a fazer algo assim; uma hora ou outra a pressão vai acabar contigo. Enfim, tá tendo uma conversa, um diálogo mais sincero sobre o esporte, eu acho. E espero.
O minidoc é sobre os 10 anos da Madam Gran como artista, e vocês fizeram um evento com o Minas Skate Crew. Conta sobre isso.
Esse evento foi o próprio objetivo do projeto, que era fazer uma exposição em formato happening com todas essas obras, na pista da Rua 10, daqui de Balneário Camboriú. E a contrapartida era dar esses shapes que a gente desenvolveu num best trick para as crianças. Então teve família, pai, mãe, criança de quatro a 16 anos… Todos esses shapes que foram feitos no projeto com as minhas artes foram distribuídos nesse dia. A gente fez também outros best tricks, levou shape no projeto Skate Ensina aqui de Balneário Camboriú… Sempre tentando fortalecer com a arte, com o skate.
Agora minha maior dúvida: como integrante do Minas Skate Crew e como artista, como você faz pra conciliar tudo? Dá pra ver que é tudo por amor.
Cara, eu amo! Dá pra fazer tudo, a minha cabeça frita o tempo todo. Eu só penso em camadas, em skate, em sempre melhorar minhas habilidades, estar servindo de alguma forma, sabe? Mas quando eu entro numa situação, eu me dedico total. Por exemplo, se hoje é o dia de dar aula, hoje é o dia de dar aula. Se é o dia de fazer reunião, conversar, é isso. Mas acho que dá para conciliar, sim. O tempo corre, a gente também. É frenético. Ou tem bailinho, movimento, ou tem que entregar alguma obra, cuidar da marca… Sei lá, mas é muito bom! Quando a gente ama, nem vê o tempo passar. A gente se nutre disso, na verdade.
Algum recado pras garotas e mulheres que querem criar algo parecido com o Minas, ou se sentem sozinhas andando de skate?
Você, como mulher, pode tudo. A partir do momento que você quer andar de skate, você anda por você e não pelos outros, entendeu? É o seu espaço, o seu tempo, o seu movimento. Tem vergonha? Procura uma amiga. Ou vai na pista, devagarinho. Porque na pista a gente vai fazendo conexões. Cara, eu andei com os moleques a vida inteira, e eles sempre me deram esses passos. Pelo menos aqui, sempre tive esse respeito. Eu sei que são realidades muito diferentes em que a gente vive, mas enfim… Eu acho que, como mulher, você tem toda a sua potência, a sua força e é o seu tempo, ninguém pode tirar isso. O skate vem só para você se acostumar, se conhecer, se divertir, testar suas habilidades e para te fazer movimentar. Acho que todo movimento gera uma cadeia de movimentos, e isso cria um ciclo. Quando você tem vontade chama a amiga, estimula também, faz acontecer, não tenha medo. Ou procura os coletivos que já estão acontecendo, uma aulinha, não tenha medo de pedir ajuda pra ninguém. Não é preciso ter vergonha, entendeu? Só faz acontecer, o skate é muito bom. Pra vida.