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Lance Mountain – Chrome Ball Incident

Um dos skatistas mais carismáticos e fluídos do mundo, Lance Mountain falou ao Chrome Ball Incident e nós traduzimos pra você!

Descubra que houve um Bones Brigade Video Show que você nunca assistiu, como a indústria criou uma rivalidade entre os “velhos” e os novos, qual a parte de vídeo favorita do Lance e saiba como “roubar” uma arte pra usar no seu shape.


Um assunto que parece sempre surgir quando o seu papel no skate ao longo dos anos é que você representa o “cara comum”… Que você é o profissional com quem as pessoas se identificam. Você se vê assim?
Acho que você acaba à mercê de qualquer papel que as pessoas atribuam a você. Qualquer um que esteja nessa posição acaba ganhando um rótulo, de uma forma ou de outra.

Nunca pensei nisso dessa forma, mas você está certo. Agora, eu sei que você foi da Variflex por pouquíssimo tempo antes de mudar para a Powell e estrelar aqueles lendários vídeos. Me corrija se eu estiver errado, mas não houve um vídeo antes do Bones Brigade Video Show?
Sim, na verdade houve um Bones Brigade Video Show antes do Bones Brigade Video Show. Era um curta de oito minutos que o Stacy fez, mas acabou nunca saindo. Foi, basicamente, um teste que foi enviado só pras lojas.

Como era esse video? Tinha história ou era só skate?
Isso foi bem quando os videocassetes e câmeras pessoais surgiram. O Stacy viu isso como um caminho pra mostrar o skate de um jeito que ainda não havia sido feito em filmes maiores. Filmes demoram cerca de três anos para serem feitos e, quando são lançados, o skate filmado já está obsoleto.

Ele filmou o Rodney fazendo freestyle no ringue de patinação do Lakewood Skatepark. Essa filmagem aparece direto por aí. Também tem o Caballero e o Mike McGill no Clam Bowl, acho. Mas era isso, um curta de oito minutos. Um pequeno experimento com vídeo ao invés de fazer um filme.

Então, com o segundo Bones Brigade Video Show, e essa pequena experiência já adquirida, o projeto pareceu uma boa ideia na época? Já parecia algo revolucionário durante a produção ou parecia mais uma perda de tempo? Como vocês encararam?
É claro que, agora, todo mundo vai sentar e falar que sabia que estava fazendo algo importante. Que eles sabiam que aquilo ia mudar o jogo e aquele seria um dos momentos mais importantes de suas vidas.

Claro.
Todo mundo faz isso. Mas, na época, eu vi como era de verdade. Era um experimento e só. Pessoalmente, eu aceitei a oportunidade que me deram porque já tinha deixado passar antes. As pessoas não prestavam muita atenção em mim antes, então decidi aproveitar todas as oportunidades.

E aí começou. Agora, vamos ao Pro Model que nunca deveria ter existido. De onde saiu a arte dele? Geralmente, o Powell gosta de fazer algo ligado ao skatista, e todas as suas artes anteriores tinham cavaleiros, elmos…
É, eu já tinha uma arte, pela Variflex, que tinha um cavaleiro. Quando entrei pra Powell, eu não ia ter um shape. Por mim, tudo bem. Depois de alguns anos, quando o vídeo saiu, do nada as pessoas começaram a pedir um shape meu, e aí o Stacy me perguntou se eu queria. No começo, eu quis uma arte mais parecida com a da Variflex, mudando pouca coisa. Talvez não fosse o caminho que o Powell quisesse tomar, ou talvez aquilo não pudesse ser desenhado mas, pela razão que fosse, acabou não acontecendo. Talvez eles quisessem me desvincular da minha antiga imagem… Mas isso é tudo chute meu!

Então, o Courtland começou a desenhar e eu não estava gostando de nada. E eu era honesto. Um deles era um osso do joelho que parecia um crânio de voodoo… Era legal. Provavelmente, eu usaria hoje. Mas, naquele momento, não era pra mim. Então, eu fui rejeitando tudo isso e eles começaram a achar que eu era louco… E isso acabou ficando interessante pra eles. Por isso, eles vieram com a ideia de fazer um desenho com a minha cabeça explodindo, com várias ideias saindo dela. Como eu não queria o meu rosto no desenho, acabei rejeitando esse também.

Aí, a gente já tinha começado a trabalhar no Future Primitive (vídeo). O Craig já tinha dado o nome e o Courtland estava desenhando os homens das cavernas, e eu acabei vendo isso: “Eu gosto DISSO!” Eu nem sabia pro que era. Nem tinha sido desenhado pra mim, mas aquilo me pegou.

Foi mais difícil filmar pro Future Primitive depois do sucesso do Video Show? Eu sei que a cabeça das pessoas era dominada por campeonatos naquela época, mas o Stacy levou mais a sério dessa vez?
Eu vejo o Future Primitive como o primeiro “vídeo de verdade”. O segundo Video Show também era um teste. Estávamos tentando entender a coisa. O Future Primitive foi onde começamos a entender que esse tipo de coisa funcionava mesmo. Quando o segundo Video Show saiu e nós vimos a reação de todos, nós soubemos que era aquele o caminho.

Mas ainda era muito cedo. As pessoas estavam acostumadas com os moldes do Blind Video: Aqui estão as partes; assista e fique de cara com essas manobras novas. Pra gente, não era assim. Tony e Rodney já estavam nesse esquema porque o estilo deles é em cima de manobras e evolução. Mas o resto do vídeo era a gente saindo pra andar numa piscina, num ditch ou num halfpipe com uma câmera apontada pra gente. Era isso.

De vez em quando, a gente ficava maluco vendo o Tony fazer alguma coisa inacreditável e decidíamos filmar alguma coisa que as pessoas ainda não tinha visto também. “Nós temos de tudo. Nós somos foda” (risos) Stacy sempre negou isso mas, como skatista, era assim que eu me sentia.

Porque você acha que o Animal Chin marcou uma geração daquele jeito? Foi o marketing, foi porque era muito diferente ou foi o momento certo?
Foi porque saiu nos anos 80. Aquela época nunca vai existir novamente. As coisas eram boas e as pessoas eram felizes. Tinham dinheiro. Os vídeos e a MTV mostravam aquela cultura da Califórnia. Era isso que acontecia, e todo mundo queria ser parte dessa cultura, em qualquer lugar do mundo. Muita coisa dos anos 80 era parte disso, e nós estávamos no lugar certo na hora certa. Animal Chin, Loucademia de Polícia… Tudo isso veio junto. Não só o skate, mas a cultura como um todo.

Teve algum momento, com todas as intros e paródias, que você começou a sentir que aqueles vídeos estavam passando do ponto?
Eu lembro de estar no carro com o Stacy depois de terminar o Animal Chin e perguntar o que faríamos a seguir: “Nada, acabamos”. (risos)

Eu acho que, por maior que a aceitação fosse, e até onde o projeto tinha nos levado, aquilo não era real. O que era real foi o que nos levou ao ponto de poder fazer o Animal Chin. Mas aquilo já estava feito. O que eram aqueles momentos reais agora? Em um certo ponto, o street se tornou a coisa real, evoluindo sem ninguém perceber.

Depois do Animal Chin, houve essa febre de filmes. Todo mundo começou a fazer. É muito fácil olhar pra algo que já foi feito e decidir que você também quer fazer. Toda a parada da H-Street chegou e, de repente, todo mundo tinha câmera pra filmar tudo. Eles juntavam o maior número de pessoas, pra cada um fazer uma ou duas de suas melhores manobras. Tudo estava mudando tão rápido com aquelas manobras incríveis. Eu estava totalmente perdido aí. Eu me perguntava se eu deveria aparecer em algum filme.

O Stacy estava tentando coisas diferentes também, coisas revolucionárias. O Tony tinha aquelas manobras inéditas que ninguém tinha visto ainda. Ele era, realmente, o único do nosso grupo que estava nesse nível. Quando o Stacy filmava aquilo em super slow motion… Era lindo. Essa parte é, provavelmente, a única que você assistiria agora. Parece mais com as coisas atuais.

Vindo dos anos 80, onde a Bones Brigade era o maior acontecimento, como você lidou com a quebra de paradigma quando, do nada, os “bad boys” do street se tornaram as estrelas, em uma versão bem menor do skate? Como você foi tratado por essa nova geração?
A grande mudança que nos chutou pra fora nos anos 90, na verdade, aconteceu bem antes… Provavelmente, por volta de 86 ou 87. O que nos levou a fazer o Chin não existia mais. Já estávamos em uma crise, uma rotina que eu não gostava. Eram rampas dentro de estádios, com gente indo pra frente e pra trás e as mesmas pessoas sempre reclamando. O sentimento não estava lá.

Quando finalmente chegou ao ponto de nós estarmos “fora”, na verdade eu já achava que tinha acabado pra gente há anos. Isso não tornou nada mais fácil, mas pelo menos eu estava preparado.

Mas não é o fato dos caras serem bons que te incomoda. Você sempre quer que caras bons surjam. A parte difícil é a indústria e o que ela diz que é “legal”. Foi isso que pegou todo mundo: as marcas dizendo que nós não tínhamos mais valor, que as pessoas não queriam mais a gente.

A parte difícil é a indústria e o que ela diz que é “legal”. Foi isso que pegou todo mundo: as marcas dizendo que nós não tínhamos mais valor, que as pessoas não queriam mais a gente.

Honestamente, eu achei que voltaria a ser um iniciante tentando andar na rua. O que eu gostava de fazer não era mais mostrado, estava acabando. Como eu gosto de tentar coisas novas no skate, foi isso que eu fiz. Do nada, vários caras da nossa época pularam fora. Ou saíam por conta própria ou eram expulsos. Apenas alguns de nós continuamos, porque a gente gosta mesmo de skate, seja o estilo que for. Eu gosto de street. Não fico limitado a ir pra lá e pra cá em uma rampa. Mas e essas novas manobras estranhas de street? A gente não criou isso… Éramos crianças de 10 anos novamente. Estávamos, de novo, tentando fazer o que víamos nas revistas, mas já éramos profissionais.

A gente se sentia estranho com isso? Sim. Filmando isso? Sim. E ao ouvir novos profissionais dizendo por aí que nós éramos ruins e deveríamos pular fora? Sim, isso é estranho.

Esses moleques novos eram foda. O problema é que a indústria os colocou contra nós para obter lucro. Foi isso que tornou tudo difícil. Se você perguntar agora, eles vão dizer que nos amavam e respeitavam… Não, isso é mentira. Eu fui aos campeonatos. Era uma coisa pra ser só deles. Eles olhavam estranho pra gente, não queriam a gente lá. Era difícil. Não havia respeito algum. Era o mundo deles e eles queriam a gente fora. Você tinha que fazer as coisas que eles faziam e, se mudasse alguma coisa, era terrível. É compreensível em certo ponto, eles estavam lutando pelo deles; foi a indústria que os colocou naquele cenário, onde eles precisavam destruir o que era velho. Não havia espaço pra nós. Esse era o sentimento da época.

E aí veio a Flip e a sua parte incrível no Extremely Sorry. Nova piscina, novos patrocinadores… Nova inspiração? Aquela parte é foda!
Pra falar a real, está tudo na sua cabeça. Quando a oportunidade na Flip surgiu, foi assustador, mas era algo que eu precisava fazer. Eu estava com um medo do caralho de fazer uma parte. Achava que as pessoas iam ficar putas. Eu não queria ser apressado e odiado. Mas o que eu podia fazer? Minha parte no Extremely Sorry é o que eu sempre quis fazer com a The Firm mas nunca tive tempo. O Extremely Sorry foi o passo adiante. Eu não tinha nenhuma expectativa sobre o que aquilo seria pra mim.

Eu comecei tentando filmar uma manobra por dia. Quando tinha seis filmadas, quebrei o braço. Demorou nove meses pra sarar mas, por sorte, o Extremely Sorry vivia sendo adiado. Então, eu tive mais seis meses pra filmar. Com sorte, consegui fazer a parada de uma manobra por dia. Eu ia lá e filmava uma manobra… Em alguns dias, filmava duas. Mas eu mantinha devagar. Eu nem tentava fazer várias coisas em um dia; eu acertava a manobra e descansava pro outro dia. Aí repetia. Houve umas três ou quatro manobras que demoraram bastante, e duas ou três que acabei não conseguindo… Acho que tentei dar um 540 durante um mês. Não tenho mais coragem. (risos)

É a sua parte favorita?
É.

Eu viajo pensando em coisas que tem lá… Tipo o hippie jump na escada e a parada com a corda. São coisas que você sempre quis tentar, mas teve que esperar uma piscina desenhada por você pra fazer?
Algumas coisas eu já tinha tentado. Eu tentei o hippie jump em piscinas nos anos 80, mas as rodinhas eram muito grandes e pegavam. Eu lembro de tentar isso na piscina do Pink Motel mas o shape não passava. Eu devia ter percebido que era só levantar mais os canos e fazer a escada mais saltada pra fora. Já dei aéreos e coisas assim por cima das escadas. Eu só queria revisitar esse tipo de coisa.

Artista, designer, contrutor, apresentador, dono de marca… Você é uma daquelas figuras renascentistas do skateboard. Nós raramente vemos isso na geração atual. Por que você acha que isso acontece?
A resposta rápida é que a atmosfera competitiva recompensa as pessoas. Quando elas são recompensadas, ganham dinheiro e ficam nessa. Essa é a natureza da indústria. No começo, você tinha que ser criativo pra ser notado. Você precisava ter ideias e inventar coisas. Isso foi, vagarosamente, se transformando numa coisa mais parecida com os esportes tradicionais, onde o cara que vai mais alto, mais rápido e por mais tempo tem sucesso. Então, agora você tem esse tipo de pessoa.

Por que eles perderiam tempo desenhando algo enquanto podem estar comprando um Bentley? Antigamente, essas coisas surgiam da necessidade.

Qual a melhor e pior coisa no skate?
A melhor coisa do skate é ser um caminho para as pessoas acharem diversão. A pior coisa é que, ao mesmo tempo, também pode ser um caminho para as pessoas acharem sua destruição.

Falou bonito, Lance. Última pergunta: como você gostaria de ser lembrado no skate?
Você quer que eu pegue pesado? Não acho importante ser lembrado. Sou cristão e acredito em Deus. Tudo que eu faço ou fiz não tem valor nenhum longe Dele. Então, isso é tudo que importa. O Senhor nos deu a vida para glorificá-lo, e não acho que devemos fazer nada apenas para nós mesmos. Eu sei que a indústria tenta nos comprar para podermos viver. Mas, no fim do dia, só quero que meus amigos conheçam a Deus. Se, de alguma maneira, eu pudesse trocar tudo que fiz por um jeito de fazer meus amigos conhecerem a Deus, eu o faria na hora.

Obrigado por tudo, Lance.


entrevista por Chops – The Chrome Ball Incident
tradução por Felipe Minozzi (Fel)

Artigo original

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