Todo skatista que trabalha com skate tem um dilema: por quanto tempo trabalhar e por quanto tempo sair pra andar de skate? Entre viagens, trampo, amigos e sessões na rua, Sandro Bertolucci, o criador e dono da Blaze Supply e outras marcas, conseguiu juntar várias manobras, filmadas em vários lugares do mundo, pra contar essa História Mal Contada. No ano em que a Blaze completa 10 anos de vida, ele quer colocar o skate como prioridade, e essa vídeo parte é um bom começo. Troquei uma ideia com ele sobre o vídeo, sobre esse aniversário da marca e mais algumas coisas:
Qual a ideia central dessa parte? Por que o nome “História Mal Contada”, e por que colocar os nomes dos picos e cidades durante o vídeo? Isso é bem diferente, chama a atenção.
Acho que se chama “História Mal Contada” porque ela não segue uma linearidade cronológica. Eu comecei a filmar pra ela na época do Babel, full video da Blaze, e algumas imagens entraram, outras ficaram de fora. Aí eu comecei a filmar pra outro projeto, da Second Hand Smoke, mas veio a pandemia e eu não concretizei esse projeto. Esse projeto eu estava fazendo com o Ricardo Oliveira, que trombei em Barcelona; filmamos lá e depois filmamos um pouco aqui no Brasil. Como acabou não vingando, sobrou umas imagens minhas e dele da Europa, e mais algumas coisas que filmamos no Brasil. E aí veio a pandemia; mais um motivo pra história ter ficado mal contada. Aí eu quebrei o pé, voltei a andar aos poucos e acabei ficando com esses três fragmentos de parte, um de cada projeto. Muitos videomakers diferentes, muitos lugares diferentes; acabei encontrando esse jeito pra colocar as manobras num contexto. São manobras que eu gostava e eram boas — não eram rejects — e eu queria fazer essa parte mas não tinha um contexto. A pandemia não deixou a gente andar de skate, nem com a equipe nem com os amigos. Então ficou um catado de imagens e eu acabei dando esse jeito de contextualizar, com datas, filmers e lugares diferentes. Tudo isso poderia ter ido pra três projetos diferentes, e acabou virando uma parte, que acabou fazendo sentido como um todo.
E esse Get Up Kids na trilha? Deu uma nostalgia aqui, lembrei duns dezoito anos atrás ouvindo essa música.
Eu gosto bastante de punk rock, post hardcore e o começo do emo. E acho que, na Blaze, eu sempre me relacionei mais com rap, até mesmo pelo meu jeito de andar de skate. E acho que, por causa da pandemia, pedia uma música um pouco mais triste. Acabei também deixando em branco e preto, um tom mais sóbrio. A maioria das minhas partes eu coloco rap, apesar de ouvir muito rock. Acho que resgatei algumas raízes, algumas origens.
E esse ano a Blaze completa 10 anos. Já estamos soltando a série de vídeos lá na pista da marca, a Blaze Yard… Vai rolar uma retomada dos vídeos? Essa parte saiu por causa desses 10 anos ou ia sair de qualquer jeito?
Acho que talvez tenha a ver com os 10 anos, o vídeo de 10 anos, porque a gente começou a filmar pra ele no final do ano passado. Eu tinha bastante manobra nova já, os outros caras já tinham bastante coisa também, e eu não queria misturar coisas um pouco antigas, mesmo que fossem boas, com coisas novas, por causa de estética mesmo, das coleções de roupa, enfim… De terem sido filmadas em outro momento. Eu queria encerrar esse ciclo antes de começar o desse vídeo novo. Queria lançar essa parte no final do ano passado; seria uma parte pessoal, nem sei se ia lançar pela Blaze, ou pela Black Media, mas acabou enrolando um pouco mais e acho que saiu do jeito que tinha que ser. E nós estamos filmando esse projeto de 10 anos; provavelmente serão dois vídeos: um mais filmado no Brasil, e o outro com o pessoal que vai viajar esse ano, que já tinham começado o projeto um pouco antes. Vai ter atleta novo, vamos ver… Ainda tem quase oito meses de produção. Provavelmente vai ser isso: um vídeo mais internacional e um mais no Brasil, pra não ficar um só muito longo. Vamos dividir um pouco o casting de videomakers e skatistas, pra não ter muita mistura de qualidade de imagem, tipos de câmera… A gente optou por fazer esse projeto em duas partes.
Quando você fala de viajar, nunca é pros Estados Unidos, é sempre Europa, e uns lugares meio que pouco explorados da Europa. Por que isso?
Acho que isso é fruto de algumas amizades, né? Às vezes, a gente conhece pessoas que acolhem a gente em cidades diferentes. É um pouco de referência também, né? De conhecer pessoas de outras marcas, de assistir a outros vídeos… E também por ser mais fácil de viajar pra outros lugares quando você tá na Europa. Espero que esse ano sobre tempo e dinheiro pra gente conseguir visitar algum lugar diferente, onde a gente não andou.
Nossa última entrevista foi em 2018, só com fotos e tal. Já se passaram quase quatro anos. Você mudou muito de lá pra cá, aconteceu algo de marcante? Você acha que mudou?
Acho que essa época foi a última vez que eu me empenhei pra filmar um projeto de skate. Depois, acabei ficando um tempo trabalhando bastante e tendo que lidar com outras coisas, não só com skate. Logo depois disso, a gente filmou o Babel. Depois do Babel, algumas pessoas saíram do time, entraram outras, a marca deu uma mudada de identidade. A gente foi pra um lado um pouco mais minimalista; antes, a gente trabalhava com umas estampas maiores e tal… Acho que a distribuição da marca era maior nessa época, também, a nível nacional. Tive vários problemas com lojistas, distribuidores… Acabei escolhendo trabalhar com skate shops um pouco mais seletas ou de amigos meus, enfim… Talvez a marca tenha dado uma encolhida, uma renovada. E acho que vou deixar mais claro nesse próximo vídeo essa nova estética, esse novo jeito de trabalhar com o mercado, de viver o skate. Deu pra aprender muita coisa positiva durante esses anos, apesar de terem sido complicados, não termos viajado muito, de muita gente ter sofrido, perdido família. Coincidiu de eu me machucar também durante a pandemia, e ocorreram mudanças de estado de espírito, mudanças na marca… A gente passou a valorizar muito mais a vida, as pessoas, a mobilidade, a liberdade. Acho que mudou o jeito de todo mundo ver o mundo, né? De se relacionar com o trabalho, com o tempo livre. Também acho que fez cada um de nós se aproximar das suas raízes, suas origens. Eu, pessoalmente, não tenho muita vontade de acompanhar essa onda do skate-esporte, de levar a Blaze pra esse lado competitivo. Pretendo cada vez mais andar de skate com meus amigos, com as pessoas que me inspiram, e não ficar me comparando a ninguém. Não ficar nessa corrida dos ratos, tentando ser melhor que alguém do game. Acho que tanto a Blaze quanto as pessoas que estão andando de skate com a gente estão com essa mesma percepção do skate, da cultura. Uma cultura urbana, uma forma de se expressar. Não é porque a gente tem uma marca de skate que precisamos seguir essa nova ideia do que vai ser o skate a partir de agora. Na outra entrevista acho que falei mais sobre esse lado da coisa; dessa vez não estou afim de falar nada de apocalíptico, não. Nem do skate nem em relação ao mundo. A gente segue levando a parada como um estilo de vida, como um modo de expressão, seja no jeito de manobrar ou de se vestir. Mas eu acho que, agora, existem dois caminhos bem diferentes pro skate.
Pra terminar, a gente conversou esses dias e você falou que queria andar mais de skate, prioridade máxima. É isso mesmo? Como você vai fazer pra conseguir isso?
Quero, sim. Quero ter mais tempo pra andar de skate. Fiquei muito tempo resolvendo coisa de, sei lá, distribuição, me estressando pra caramba. Agora a gente tá com uma loja física também, dá um pouco mais de equilíbrio, sabe? Construir uma operação mais saudável e atingir as pessoas nos mesmos lugares, mas de uma nova forma. Eu passei muito tempo nos bastidores, e agora tô afim de aproveitar. Tô com 30 e poucos anos — não que eu vá parar de andar de skate em breve, mas quero aproveitar agora, que tô sentindo meu corpo bem, pra viajar, produzir um pouco, e não só ficar indo atrás de tecido, né, cara? Tô conseguindo acordar cedo também; antes eu não conseguia. Tô andando de skate de manhã, antes de ir pro trabalho. Tô encontrando maneiras de filmar quando vou andar de skate, e também de andar mais vezes por semana. Acho que você pode perguntar pra qualquer um que trabalha com skate o quanto é difícil você estar com a cabeça no trabalho e depois andar de skate. Eu tenho isso em comum com várias pessoas. Com o Ricardo, por exemplo: ele trabalha e quer filmar, quer andar de skate. Não é fácil ter a cabeça nas duas coisas. E esse ano eu quero encontrar uma maneira de começar pelo skate e depois resolver as coisas do trabalho. Essa parte foi filmada tipo, uma manobra por mês, duas por mês. Muita coisa no final de tarde, pelo Centro. Esse ano eu quero colocar o skate como prioridade.