It´s Xapa

Não precisa colocar “Lucas Xaparral“. Só “Xapa” já é o suficiente. Um dos skatistas profissionais mais ativos da atualidade, sempre envolvido em algum projeto, algum trampo, algum corre, acabou de soltar um tênis assinado pela Vans, como você já deve ter visto pelas redes sociais e no Xapa Driver especial que fizemos só pro boot. Pra acompanhar o tênis, o Xapa resolveu fazer uma vídeo parte; montou uma equipe pra fazer a parada rolar e fez, como sempre. Eu aproveitei pra trocar uma ideia sobre a parte com ele.

Já faz um tempo que você incorporou no seu trampo como skatista profissional várias outras coisas, como Xapa Driver, seu canal no YouTube… Coisas que antes não existiam, mas existem agora. Como você vê a importância das vídeo partes, hoje em dia, com tudo isso junto? E por que você resolveu fazer uma vídeo parte quando surgiu o projeto de lançar o tênis pela Vans?
Eu acho que a vídeo parte continua sendo a parada mais da hora pra você assistir, acompanhar o skate. Hoje, nas redes sociais, a gente tem aí um monte de manobra, de bomba, mas sei lá… Na vídeo parte você consegue ver o estilo do skatista… Você consegue, por meio da música e de várias outras coisas, captar a mensagem que ele quer passar. Eu acredito muito nisso. E essa vídeo parte tem uma mensagem bem da hora que eu quis passar. Eu me desafiei a fazer essa parte, mesmo nessa correria de um monte de outras coisas, porque eu queria muito. Há muito tempo eu queria fazer uma parte, só que não conseguia. E não conseguia ter um motivo da hora pra focar nisso. E aí, com o projeto do tênis da Vans, eu coloquei isso isso em primeiro lugar; queria ter a parte junto com o tênis, justamente pra usar de desculpa e conseguir focar nisso. E foi o que aconteceu. E também foi da hora porque a Vans deixou eu fazer tudo do jeito que eu queria, trabalhar com as pessoas que eu queria. Foi bem da hora, uma experiência massa nesse ponto.

Foto: Matheus Argentoni

Uma coisa que eu pensei aqui enquanto você estava falando: qual foi sua última vídeo parte, antes dessa? Você lembra como foi filmar ela? Já faz uma carinha se pá, hein? O que teve de diferente pra última e pra essa de agora?
Mano, se eu não me engano, a última parte que eu soltei foi no Berrics, a Next New Wave. É uma parte que é tipo um mix de manobras em vários lugares do mundo, de várias trips que eu fiz. Eu fiz um mexidão de tricks que eu tinha gravado com vários videomakers, editamos e soltamos lá no Berrics. Não lembro em que ano foi isso. Mas falando de agora, fazia tempo que eu não começava um projeto com uma pessoa só; na real, não sei se já consegui fazer isso em outra parte. Mas essa parte aqui foi filmada exclusivamente com o Gema (Diogo Ramos). Então, ele estava em todas as sessões, a gente fez algumas viagens juntos… Foi uma parte feita num período menor de tempo, e que a gente conseguiu filmar só pra ela, mais nada. Deu um trampinho, até por já ter outras partes e querer sempre fazer um negócio melhor e nunca estar satisfeito com nada, e também por não estar tão ativo assim, filmando direto… Fazia um tempo que eu não entrava nessa pegada. Deu um baita dum trabalho, além das lesões que eu tive durante as filmagens. Foi um desafio, mas foi muito da hora poder vivenciar isso e ter o projeto feito com todo mundo junto do começo ao fim.

Foto: Matheus Argentoni

Pode crer. E quando você decidiu que ia rolar a parte, como você decidiu quem chamar? O Gema pra filmar, o Lucas da Bolovo pra editar, o Lucas da Fresno pra fazer a música… Me fala de cada um.
Desde o começo, eu já queria filmar com o Gema, porque eu me dou super bem com ele, a gente já filmou vários projetos juntos, outras partes… Ele filmou minha parte da Element, quando eu lancei o pro model, em 2012. Ele filmou minha parte do Made in Brazil também, e vários outros projetos da Element foi ele que filmou. A gente já fez várias viagens pros Estados Unidos também… Então é um cara que eu tenho bastante liberdade, que conhece bastante meu skate e, por isso, me ajuda pra caramba na hora de pensar em pico, em manobra… Dá uma vibe da hora ali na sessão, e várias vezes ele leva o irmão dele junto, o Diego. Os caras se multiplicam, acabam fazendo dois ângulos… E a gente já tem uma amizade bem da hora, de anos. Então eu queria muito que eles captassem essas imagens. Além disso, eles tem os melhores equipamentos e, na minha opinião, são os caras que melhor sabem filmar skate, de fisheye e tal. Curto bastante a imagem deles. Juntando tudo, não tive dúvidas que ia ser com eles. E aí, mano, eu queria muito que alguém com uma visão mais cinematográfica viesse pra finalizar o vídeo, na parte da edição, de criar uma abertura, um conceito. Lá no começo eu já falei com o Lucas da Bolovo, porque eu também curto muito os trampos que ele faz, admiro bastante o bom gosto dele. Acho que ele somou bastante com tudo isso, fez várias imagens de 16mm… Ele trouxe um sentimento pra parte, que era uma parada que eu queria passar também. E aí, junto com tudo isso, entrou o Lucas Silveira, da Fresno, que foi até uma indicação do Arthur da Vans. Eles são parceiros, e eu também já conhecia o Lucas há muito tempo, admiro pra caramba o trampo dele, é um produto musical sinistro. E aí, um dia, eu trombei ele aleatoriamente numa praça e conversamos do projeto. Ele ficou empolgado de fazer e eu senti uma vibe muito boa. Aí eu vi que era isso: a galera tava afim de fazer um negócio legal, sabe? Independente de grana, disso tudo, tava todo mundo querendo fazer o projeto acontecer da melhor forma. Aí eu pirei, falei: “Não, fechou a crew, é isso aí”. E isso que foi da hora, porque essa galera tem que ganhar uma grana, tem uma grana investida nisso, e a Vans me deu a liberdade de escolher, sem discutir: “Ah, você quer fazer com tal cara? Beleza”. Foi lá, negociou com o cara e fez acontecer. “Ah, vamos fazer a música com tal cara? Beleza. Ah, o Lucas vai finalizar? Beleza”. Isso foi muito da hora, tá ligado? Em nenhum momento a Vans chegou pra mim e falou: “Não, esse cara não rola porque vai sair caro, ou por conta de sei lá o quê”. Isso foi o mais legal: eles acreditaram no projeto, até mais do que eu, e me deixaram livre pra criar uma parada do jeito que eu quisesse.

Foto: Thiago da Luz

Agora me fala uma coisa: vocês resolveram fazer uma parada que eu devo dizer que é bem arriscada, que é aquele texto no começo da parte. Eu consigo pensar numas duas ou três partes que tentaram fazer algo parecido e ficou muito ruim. Vocês conseguiram fazer algo legal; não ficou brega, ficou bom. E eu sei que, pra fazer isso ficar legal, é muito difícil. Você deve ter lido o texto várias vezes até sair do jeito certo, com a entonação certa, porque senão fica uma bosta e estraga o vídeo inteiro. Parece fácil, mas é mó treta. Tem um trampo que ninguém percebe. Me fala de onde veio a ideia e como foi fazer essa introdução da parte.
Mano, isso é real, muito verdade, e tanto eu quanto o Lucas sabíamos disso. Tanto que até o último momento existiu a opção de não usar a narrativa. Mas o Lucas manja muito disso e tem muito bom gosto. Ele que conduziu tudo isso. Eu sou péssimo pra interpretar texto, fazer narração, sou muito ruim. Pra falar, dar entrevista, eu acho que falo bem, mas pra fazer uma leitura, com entonações e tal, eu sou muito ruim mesmo. Só que o Lucas me conduziu; a gente gravou inúmeras vezes, e depois teve um tratamento de voz e tudo mais. Aí o bagulho ficar melhor. Porque, mano, a primeira versão que ele me mandou só tinha uma paradinha na voz. Nossa, quando eu vi a parada, eu falei: “Nossa, mano, tá muito zuado! Tira essa narrativa aí, pelo amor de Deus!”. Ele falou: “Não, mano, calma. Eu vou ajustar, vai ficar da hora. Não liga pra isso ainda”. Tipo, essa versão eu vi no meio de outras coisas que ele tinha me mandado. E foi isso; na real, quem fez o bagulho ficar da hora foi ele, totalmente. O texto foi escrito por várias pessoas. Eu levei umas ideias, escrevi umas coisas que eu queria passar, ele trouxe um cara pra montar um texto mais poético. Aí voltou o texto, ainda não era exatamente o que eu queria passar. Daí, a Flora (esposa do Xapa) me ajudou a mexer no texto, e voltou pro Bobby (Baq). Ele entendeu o que a gente queria passar, fez uns ajustes e finalizou. Aí eu fiz a narração. Pra mim, era muito importante passar essa mensagem, mais do que manobra ou qualquer outra coisa. Eu me senti no dever de passar essa mensagem, porque sei lá, mano… O mundo tá muito doido, e eu vejo que muita gente fica feliz de levar a galera pro mal caminho, influenciar pro mal caminho. Eu me senti na obrigação de tentar fazer o contrário: tentar influenciar a galera pro bem, pro caminho legal, ou sair de uma parada que tá travada, bloqueada. Essa era a mensagem. Pessoalmente, pra mim, isso era mais importante que as manobras em si.

Foto: Matheus Argentoni

E você se machucou filmando, ficou um tempão sem andar, né? Eu já vi você falando que a parte acabou não saindo exatamente do jeito que você queria… Me fala dos machucados, como e quando foi, e me fala também, com sinceridade: você gostou da parte?
Mano, da minha parte na parte eu não gostei muito. Haha! Eu sei que consigo fazer um negócio muito melhor. Ao mesmo tempo, fiquei feliz de conseguir entregar algo porque, com tudo que aconteceu nesse meio tempo, poderia não ter dado certo. E deu certo. Então, no final, eu fiquei feliz. Mas eu queria ter conseguido render uns bagulhos a mais, filmado umas paradas a mais. Mas foi isso: me machuquei mais de uma vez, e meu joelho ficou bem ruim no final. Torci ele algumas vezes em algumas viagens. Atrapalhou pra caramba, porque a gente estava filmando mais quando viajava, e teve uma viagem pra Santa Catarina que eu torci no primeiro dia. E tinha rendido praticamente uma manobra só, e depois mais nada porque eu estava machucado. Daí eu fiquei quase seis meses sem andar de skate. Depois, quando eu estava me recuperando, comecei a andar de novo, tava tentando filmar umas coisas em São Paulo e ficava toda hora quase torcendo, joelho ruim ainda. Mesmo assim, filmei umas coisas aqui. Aí fomos pra Brasília, última trip, tava muito confiante, com certeza que ia render. Cheguei lá e torci o joelho de novo. Então não deu pra finalizar do jeito que eu queria. Foi isso, mano: a ideia da parte veio antes da pandemia e, quando a gente ia começar a filmar, veio a pandemia. Ficamos um tempo em isolamento; o pessoal da Vans pediu pra gente não sair pra rua, não andar, ficar em casa, e eu obedeci, fiquei em casa um tempo. Quando voltei a sair, demorou um tempo pra voltar a andar bem de skate. Aí demorou mais um tempo pra voltar a viajar; ficamos filmando em São Paulo, mas naquela tensão, né, mano? Foi um bagulho meio diferente. Aí, quando começou a pegar um ritmo da hora, várias viagens, começando a render, veio essa lesão, que ficou aparecendo até o final da parte, porque não tinha tempo de curar totalmente. Só agora eu estou fazendo trabalho de fisioterapia e fortalecimento que é necessário; dei uma pausa no skate pra curar direito.

Foto: Matheus Argentoni

Não dá pra dar switch flip na Sé em todas as partes, né? E você pensa em fazer outra parte no futuro, sem a pressão do tempo? Ir filmando, juntando imagens ao longo dos meses e anos? Ou você acha que vai precisar de algo especial, como foi o tênis, pra mergulhar num projeto desse de novo?
Pretendo, sim. Só não sei quando, não tem previsão. Mas é bem nisso que você falou: quero filmar com calma. Tem várias manobras que eu tentei e não voltei, ou pensei e nem tentei ainda, mas estavam na mente e eu sei que consigo fazer. Assim que eu estiver bom, quero começar a ir nos picos pra filmar e ir guardando essas tricks. E aí soltar uma parte aleatória assim, sem envolver mais nada, nenhum produto. Pode até envolver alguma marca, mas nada com prazo. Tentar fazer um bagulho bem, bem da hora. E com mais tempo. Nos próximos projetos de produto, eu pretendo não envolver uma parte, porque acaba ficando muito arriscado. O produto tem prazo, e tem mais um monte de coisinhas, de regrinhas que você tem que seguir, que às vezes é difícil de adaptar uma vídeo parte a essas necessidades. Mas eu espero poder dropar ainda uma parte mais da hora que essa, mais da hora que as outras que eu já fiz. Eu acho que cada parte tem um significado da hora, passa uma parada legal. Nessa agora eu não pulei a Sé, nem tentei; se tivesse tentado, ia terminar de arrebentar meu joelho. Mas vou deixar ele bom e quem sabe? Tenho vontade de dar outra manobra lá. Acho que é isso, são fases. Meu skate tá em outra fase agora, e eu acho da hora também. É outra leitura de skate, outra visão. Acho que a parte mostra bem isso, e tô felizão de entregar mais um projeto aí!

Foto: Matheus Argentoni

Pra terminar então, uma curiosidade: o tênis já acabou, vendeu tudo? O Xapa assinou, o produto evaporou?
Mano, o bagulho evaporou, hein? Deve ter em alguma loja, alguma numeração. Com certeza, mas é difícil ter esse controle pra saber. Mas no site e nas lojas das Vans, que a gente tem o controle, acabou muito rápido. Foi em três dias, praticamente. Em menos de uma semana esgotou em todas as lojas da Vans, e no site esgotou em dois dias. Foi um sucesso, graças a Deus. A galera curtiu o produto, com certeza, e a história que estava por trás também. Deu até pra dar um respiro, soltar a parte um pouco depois. Fiquei muito feliz com esse projeto; ter um tênis assinado é um bagulho a mais, ainda mais em uma marca como a Vans, uma das marcas mais naipe que tem no skate, a primeira marca de tênis de skate do mundo. Colocar o seu nome ali tem um significado enorme pra mim. E a galera conseguir absorver a ideia, curtir o produto, enfim… Pô, mano, é um bagulho muito da hora, mas você corre vários riscos. E a Vans me deu muita liberdade pra criar tudo, e ao mesmo tempo acabou ficando um pouco pesado pra mim. Toda a parte de criação ficou por minha conta. Se tivesse dado tudo errado, a culpa seria muito mais minha do que de qualquer outra pessoa. Mas deu muito certo. Eu posso ter um pouco de orgulho em saber que eu fiz mais do que só andar de skate nesse projeto. Eu participei de tudo mesmo. Isso é muito da hora.

Certo, Xapa! Valeu e até amanhã na première, então. Fui.
Ô, não foge, não, mano. Você tem que me mandar o link da parte. Manda aí que eu vou baixar aqui, e se você puder levar também de backup, até o seu computador, vê aí. Eu vou levar o meu também, mas vai que na hora dá um B.O., a gente consegue ter mais opção pra passar o vídeo.


[deu tudo certo, a première foi foda demais]

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