Skate é foda. A NASA deveria estudar como um brinquedo pode mudar o humor, o dia, a vida de milhares (milhões?) de pessoas. Seja você quem for e onde estiver, se já foi infectado pelo vírus do skateboard, temos algo em comum: sabemos que é bom pra caralho andar nesse treco. Maaaaaaas como tudo nesta maravilhosa vida, existe o outro lado, as partes não tão docinhas do skate.
Eu lembrei desse lado amargo organizando meus arquivos destes últimos quinze anos em que estive fotografando e filmando skate. Dos 12 terabytes de fotos e vídeos, dois registros me despertaram um mesmo sentimento, com o qual todo skatista aprende a conviver, queira ou não:
Skate é frustrante.
Nunca dá para saber quando a manobra vai vir. E muitas vezes não vem. Você sonha com ela, já acertou mil vezes, mas, naquele dia, o kickão só acerta sua canela mesmo. É, amiguinho, se os deuses do skate não permitirem, não tem nem kickão nem kickinho.
Quando a manobra envolve outras expectativas, a coisa fica mais tensa ainda. Sr. Google, defina frustração pro pai aqui: “A frustração só ocorre quando existem expectativas e, quanto maior elas se mostrarem, maior será a frustração”. A presença de um videomaker e um fotógrafo na sessão aumentam as expectativas. O deadline para fechar uma vídeoparte ou entrevista também. Você quer, sabe que consegue, todos botam fé que vai rolar, mas o maldito acerto não vem.
Essas manobras do Filipe Ortiz e do Danilo Daba são grandes exemplos de como o skate pode ser bem frustrante. E de que essa frustração é parte importante da nossa formação como skatistas e seres humanos. A gente se machuca, fica puto, mas se fortalece e cresce nessas horas.
O Daba saiu da sua zona de conforto na Bahia e se jogou pra São Paulo, pra tentar o corre do skate. Era novo e viu que o sonho era mais difícil do que imaginava, mas não desistiu. Contou com a ajuda de muita gente, passou vários perrengues e, na época dessa foto, estava de flow numa marca de tênis. Basicamente, ele precisava sair nas revistas e vídeos para por comida na mesa.
A prefeitura fez esse escorregador na área onde ele estava morando em São Paulo mas, pra andar, era preciso levar as famosas chapas do Gian Nacaratto, pra fazer o chão da volta. Borda nova, bonita, inclinadona, pico diferente e inédito… Tudo perfeito para sair aquela página dupla na revista. Os amigos colaram pra ver, eu colei pra fotografar, o Zokreta pra filmar; o circo estava armado. No primeiro dia, a mente travou e não rolou. Ele não estava só tentando descer a borda. Ele estava tentando provar pra ele, pra todo mundo ali na praça, pros caras da marca, pros editores e leitores da revista, que ia fazer o corre do skate virar, que ia por comida na barriga voltando aquele fifty. Criou-se um mar de expectativas, que acabou virando uma enxurrada de frustrações.
Voltamos ao pico depois de alguns dias. O Daba demorou muito pra encaixar o primeiro fifty na borda, papo de mais de uma hora. Não era coragem que faltava. Ele precisava limpar a mente das toneladas de expectativas e esquecer a frustração da sessão anterior. Demorou, mas acertou. Os amigos gritaram, correram pra abraçar, comemoraram a superação daquele então garoto. E toda essa carga de expectativa e frustração saiu do Daba em um choro incontrolável, daqueles de soluçar. Chorou como uma criança. E, na época, a foto não foi publicada. A revista “concorrente” soltou uma foto do mesmo pico com outro skatista dando um grind, considerada uma manobra mais difícil.
Hoje o Daba é dono da Afonte Skate Shop, na Galeria do Rock, em São Paulo.
Essa foi a batalha mais longa e cansativa que já presenciei em todos esses anos fotografando skate. Foram pelo menos uns oito dias ao longo de mais de dois anos. Pular do escorregador do Museu direto pro chão destrói as pernas, e o Ortiz foi até o limite da dor em todos os dias. Sabe o que é sair de Curitiba e ir pra São Paulo tentar a mesma manobra várias vezes e não acertar? Teve uma hora que não era mais só pela manobra em si, pela foto, por uma imagem pra fechar a vídeoparte do vídeo gringo que teria milhares de views. Era uma parada entre ele, o skate e o pico.
A expectativa se tornou um monstro dentro da cabeça do Filipe. Vontade e raiva se misturavam na hora de bater o tail. Virou pessoal. Eu tive certeza que ele ia voltar em todas as sessões, foram muitos “quases”. Perdi as contas de quantos flips de front colaram perfeitos no pé e não viraram o tão esperado acerto. Demorou. Demorou muito. Demorou demais. Demorou pra porra. Teve uma hora que eu cheguei a pensar que não era humanamente possível acertar essa manobra nesse pico: “Será que o Ortiz tá tentando algo que a física não permite?”. Mas skatista é um bicho teimoso.
E foi no finalzinho da tarde, no limite do cansaço físico, com a mão e a camiseta cheias de sangue, com o segurança subindo a ladeira pra tesourar a sessão pela milésima vez, com a luz no limite pra fotografar e filmar, que veio o tão esperado acerto, perfeito. Acertou e sumiu ladeira abaixo. Foi chorar.