Um dos skatistas brasileiros mais importantes de todos os tempos, Rodrigo TX acabou de lançar um shape pela Krooked. Não, ele não entrou pra marca, é um guest board, com arte do Gonz e tudo. Chamei ele pra trocar uma ideia sobre a novidade, e aproveitei pra perguntar também um pouco sobre patrocínios passados, futuros, Numbers, enfim… Sempre que o TX resolve falar, você faz bem em escutar. No caso aqui, ler. E a última pergunta é importante, hein?
Pra começar, explica o que é um guest board, um guest pro, pra quem não sabe.
Guest board, ou Guest Pro, é um profissional convidado pela marca, alguém com quem a marca tem alguma relação, admiração ou alguma história. Ou esses três fatores, né? No meu caso, é um guest board mas, no momento, eu não tenho patrocínio de shape. Mas a ideia é essa: é um convidado de honra, alguém que a marca admira, que tem alguma ligação, alguma história, e aí convida um skatista, que tem outro patrocínio de shape, pra fazer esse guest board. Algumas marcas fazem, mas eu tenho quase certeza, 99% de certeza de que foi a Krooked que inventou isso. O Anthony (Claravall) tá aqui comigo e tá falando que é certeza que foi a Krooked que inventou mesmo.
Pode crer, entendi. Não sabia dessa! E imagino que isso tenha rolado por causa do Gonz, que é o criador da Krooked, tem também a adidas… Como rolou o convite? Como funciona isso?
São relações mútuas, tá ligado? Tem o Gonz, que tem uma relação muito forte com o Lance Mountain. No começo, quando conheci o Gonz e tal, foi tudo pela The Firm. E aí, depois disso, tem a relação pela adidas; fiz algumas viagens com ele, participamos de alguns projetos… Teve até uma vez que rolou uma campanha com várias camisetas de skatistas do time da adidas, e o Gonz que desenhava com a nossa “direção”. Então foram várias relações dessas. Tem também minha amizade com o Mike Anderson e o Bobby Worrest, que era mais próxima na época da èS, mas ainda existe. Eles são pros da Krooked há uns dez anos, um bom tempo. Fora isso, mais recentemente, tem o Ray Barbee, com quem eu tive uma relação forte na The Firm também. A gente andou pra The Firm vários anos juntos, viajamos juntos, andamos bastante em L.A. juntos… O convite veio lá de dentro, eles conversaram entre eles e o brand manager me deu um toque, falando que o Gonz queria fazer e já me mostrando uns 25% da arte, mas não inteira. E aí, pô: Krooked, Mark Gonzales, todo o conceito que a Krooked tem, com esses parceiros com quem eu tive uma vivência de vários anos de skate, fez todo sentido pra mim, na hora.
Entendi. E o vídeo que você soltou pra marcar o lançamento desse shape? Você chamou o Anthony pra filmar, como foi? Vocês estão sempre junto, de milianos.
O Anthony (Claravall) também é bem próximo do pessoal da Krooked. Tem até um outro mano, que era pro da The Firm na época e hoje é da Anti Hero, o Frank Gerwer, que é meio que um team manager da Deluxe (distribuidora), não só da Krooked, mas de outras marcas. Um dos team managers, né? Ele tá sempre em contato com os caras e ficou sabendo por eles. E aí a gente ficou: “vamos fazer algo, vamos fazer algo”. E a gente queria fazer algo no Brasil mesmo, só que estávamos na Europa quando isso rolou; acho que foi em setembro do ano passado. E aí, uma semana antes de eu voltar da Europa, eu me machuquei. Por sinal, tô machucado até agora, faz uns cincos meses. Eu tinha filmado, há um ano, umas paradas com o Anthony aqui no Brasil, pra um projeto dele que ainda vai sair. E como a gente queria fazer um bagulho pra Krooked, algo bem significante pra nós, o Anthony se disponibilizou a usar as imagens dele no vídeo, por vários motivos: ele curte a Krooked, sabe da relevância, já queria fazer uma parada comigo… Só que, como eu estava machucado, não ia dar pra fazer uma parada específica. Então a gente juntou umas imagens que eu já tinha feito aqui no Brasil com ele, do ano passado, e ele editou. Foi basicamente isso: a gente já tava filmando pro projeto dele, aí pegamos a maioria das imagens e montamos essa edição pra lançar o shape da Krooked. É difícil, mas eu curto e tento sempre fazer os projetos com uma pessoa só. Tipo, se eu tô filmando pra algum vídeo, eu tento filmar o máximo que der com o mesmo câmera, e as imagens adicionais são sempre do Anthony. E dessa vez, a gente conseguiu fazer um projeto inteiro só com imagens dele.
Boa, o vídeo ficou foda. E você falou um monte de nome, vários amigos gringos… Você sempre cultivou essas amizades fora do Brasil? Porque, vendo de fora, dá pra perceber que eles gostam pra caralho de você, sempre falam de você como referência e tal… Isso aconteceu naturalmente, você cultiva isso, como é?
Vou ser bem sincero, eu sou um pouco estranho. Hoje em dia eu aprendi, mas eu não curtia muito ficar mandando mensagem, eu gostava mais de ligar. Alguns anos atrás, a gente não tinha tanto esse acesso. E aí não sei, tipo assim… Sempre tentei ser uma pessoa sincera, ser leal às pessoas que são leais a mim, às pessoas que eu admiro. É muito doido, eu criei várias amizades… Várias não, né? Criei algumas amizades fortes, mas não é aquela coisa de “eu falo direto com o cara, sei o que tá pegando, sei como o cara tá, sei o aniversário do cara”. Eu sou meio desapegado, mas são pessoas com quem eu vivi vários momentos, várias viagens, a gente cresceu junto. Alguns eram mais velhos, alguns tinham a mesma idade, teve muita troca. E eu sempre tentei ser o mais verdadeiro possível. E aí eu criei laços com essas pessoas que fico sem ver mas, quando eu trombo… Parece clichê mas, às vezes, eu fico dois anos sem ver a pessoa e, quando encontro, parece que nada mudou mesmo, tá ligado? E aí quando a gente se encontra, faz questão de estar junto, se tá no mesmo país faz questão de se trombar, se os caras vem pro Brasil me dão um toque… E eu cresci vários anos longe da família, tá ligado? E longe de amigos de infância mais próximos. Então eu sempre busquei, sem perceber, amizades sinceras com as pessoas. Em vários times, várias épocas, eu consegui criar isso, por mais que eu não esteja próximo, por estar morando no Brasil há uns cinco, seis anos. A amizade se manteve pelo que a gente viveu. Ás vezes é foda; fica um ano sem falar com tal pessoa, aí comenta uma parada no Instagram, num story. Quando vai ver, eu passei duas horas trocando ideia com aquela pessoa.
Já que a gente tá falando de guest board, de shape, queria saber o que aconteceu com a Numbers, que foi a última marca que você teve patrocínio de shape. Foi um projeto que, quando saiu, todo mundo ficou falando e tal… O que aconteceu com a marca? E também quero saber se tem algum patrocínio de shape em vista, algum convite… Me fala.
Então, meu mano, a Numbers é um caso delicado. Não ficou claro porque não estava funcionando. Como eu tenho a minha visão, eu vi algumas falhas na estrutura e na logística da parada. Não quero falar muito, mas vou te falar um motivo que o mercado já sabe. Os caras tinham o diretor de arte, lançaram a marca, fizeram o primeiro drop e o cara saiu pra uma multinacional. Era um parceiro deles de uns vinte anos, do Guy (Mariano) e do Koston, mas ele precisava de uma segurança e foi. A segunda e a terceira coleção já foram no freelance; uma com um artista, outra com outro artista. Então, bem no começo, já teve essa “desestrutura”, tá ligado? O que eu acho muito foda, porque é a identidade da parada, quando você tá construindo, e teve isso. Teve outras coisas burocráticas, do meu ponto de vista, que eu prefiro não dividir. Mas uma lição que fica, pra mim e pra quem quiser: era a marca do Koston e do Guy Mariano, tá ligado? Ou seja, o mercado inteiro era fã e torcia pra parada. As lojas de skate, 9 de 10 eram a favor, se não fossem as 10. Só que isso não significa tudo. Eu levo isso de exemplo até pra Sigilo. Muita gente acha que “ah, é do Rodrigo, tem que dar certo, vai dar certo”. Mas isso não é o peso suficiente pra fazer uma marca funcionar. Tanto que a marca do Koston e do Mariano não funcionou. Agora a outra resposta: eu tô numa idade que não posso ficar escolhendo muito, mas a marca em que eu for entrar é a marca que eu vou ficar, até parar de andar profissionalmente. Eu tinha essa intenção e essa visão com a Numbers, e não rolou. Agora eu tô indo com um pouco de calma; não quero falar nome de marca, mas já teve uma que me deu um toque, falou que eu era família, mas eu preferi segurar porque eu tô tentando cavar um caminho em uma marca que é a que eu mais curto no momento, tá ligado? Também não quero falar o nome, mas a galera mais “nóia” do skate já deve saber, porque já estou usando o shape há um ano, sei lá. Só que nesse um ano, já tô há cinco meses machucado. Até fui convidado pra ir numa tour, e depois ir até a cidade dos caras, que seria o caminho pra cavar esse novo patrocínio de shape, só que eu estava machucado. Preferimos segurar pra próxima. Espero ficar bom o quanto antes; sei lá, espero estar andando de skate daqui a um mês e meio, no máximo. Ficou combinado de eu ser convidado pra próxima tour. E dessa tour os caras vão tirar a conclusão se eu me encaixo, se tem a vibe, se eu me dou bem com o time, pra poder entrar. Se não rolar essa, tenho outra em vista, mas também não quero trabalhar com nomes. Mas seguimos; tô veinho, um pouquinho mais cansado, mas é o que eu mais gosto de fazer: andar de skate. Ainda sinto que eu consigo desenvolver. De uma forma diferente, mas consigo desenvolver. E tô no foco de ficar bom e continuar andando, filmando, viajando. Fazendo o corre pra mandar o sonho vivo.
Essa última frase tá perfeita pra terminar! Mas eu tenho uma última pergunta. Primeiro, com o rolê que você tá dando, ainda tem uns 30 anos de skate de alto nível aí. Haha! Tá andando igual um moleque de 20 anos, tá loco. Mas essa parada de ir com calma no patrocínio, de entrar em um que você sabe que vai ficar… Isso veio com a experiência ou você sempre foi atrás disso?
Agradeço aí pelos 20 anos! Se quiser me patrocinar, tô na pista pra negócio. Hahaha! É uma loucura, mano. Eu vou por fases, tá ligado? Tem fase que eu tô andando direto e não me sinto confortável no skate. Tem momentos que eu tô andando direto e me sinto confortável; de olho fechado, eu sei onde tá o nose, onde tá o truck, o parafuso… Tô sentindo muito o skate. E tem fases que não. Isso é uma loucura, porque às vezes a gente fala assim: “Caralho, tô perdendo as forças, não tô conseguindo andar”. Mas a minha teoria é que a vida e os seus skills no skate tem altos e baixos. Ondas altas e outras baixas. Muito doido; às vezes eu penso: “Tá vindo onda baixa, e se não vier mais onda alta?”. Haha! Sou virginiano, meio perfeccionista e tal, tá ligado? Quem vê de fora não sabe que eu tenho minhas fases também. Tem fases que eu tô mais confortável, mais seguro, tem fases que eu passo por coisas na vida que me deixam mais inseguro. E essa questão de patrocínio, foi uma grande amiga minha, de infância, que conseguiu me mostrar, tá ligado? Por exemplo, eu nunca curti correr campeonato. Eu corri quando era pequeno, porque era uma necessidade pra ter o patrocínio, ganhar material… Quando eu fui ficando mais conhecido, foi aumentando essa pressão. Eu consegui chegar lá fora através de campeonato. E, graças a Deus, eu entrei numas marcas que eram muito skate de rua, de vídeo, tá ligado? No caso, a èS. E eu percebi que existia esse outro caminho. E a èS, numa época, fez um contrato pra mim que era tipo: duas aparições em evento, não precisava nem participar. Chegou um momento que os caras viram que eu não curtia, que eu passava meio mal, não dormia, vomitava, ficava enjoado. Aí me ofereceram um contrato que não precisava ir em campeonato. E era o meu maior patrocínio na época. Então eu consegui tomar esse caminho, e desde então eu procurei fazer as coisas que me faziam bem, que foi o que essa grande amiga minha conseguiu me mostrar. Pô, eu não curtia campeonato, não curtia andar de noite, com gerador. E isso rolava muito quando eu cheguei nos Estados Unidos. E eu tentava me libertar, e fui cada vez mais me libertando. Na época, eu cheguei a sair de uma marca e foi essa amiga que me ajudou a raciocinar e tomar essa atitude. Por lealdade, eu fiquei nessa marca por muito tempo e, quando eu consegui sair, consegui quebrar isso e ir atrás das coisas que realmente me faziam sentir bem. Aí eu saí de uma marca de shape que eu era e entrei numa marca de shape que eu curtia. Saí da marca de roda que eu era, entrei na marca de roda que eu curtia. Saí da marca de truck que eu era, entrei na marca de truck que eu curtia, tá ligado? Uma vez, o Tom Penny falou pra mim assim: “Caralho, Rodrigo, muito foda o que você tá fazendo. Você é um dos únicos caras que tá indo andar pras marcas que você realmente curte”. Ele é uma daquelas pessoas que eu falei, de sintonia que a gente cria no skate. E em algum momento eu tive que falar pra ele: “Tom, tô pensando em sair da Flip, o que você acha?”. Só pra sentir, ter uma opinião de um amigo que também era da Flip. E ele foi super positivo na época, tá ligado? Aí eu comecei a perceber, e ele me falou, que eu ia andar pras marcas que eu realmente curtia. Quando ele falou isso, caiu a ficha de que eu, realmente, sempre meio que busquei isso. E, conforme eu fui ficando mais velho, fui vendo que a minha carreira – não gosto de usar muito essa palavra, mas é a carreira – uma hora tem um fim, ou vai encurtando, tendo menos oportunidades. Então eu fui ficando mais velho e preferindo andar pra quem eu realmente me identificava, que eu achava que também me representava. É uma parada que eu fazia sem perceber e, conforme eu fui ficando mais velho, essa grande amiga me mostrou e o Tom Penny numa conversa me falou. Aí eu fui cada vez mais agindo assim, tentando andar pras marcas com quem eu realmente me identificava. E ficando mais velho, vem necessidades também. Às vezes, não é algo que eu me identifico totalmente, mas é uma boa oportunidade, ou uma boa oportunidade com amigos envolvidos… Existem outros motivos também, mas sim, eu preciso me identificar pra usar uma parada, não é só um trabalho.
Tá certo. E agora, Black View em 2022?
Black View em 2022, sem falta.