Parados no Tempo

“Tudo o que não se renova, morre”. Sei lá onde foi que eu vi essa frase mas, desde então, ela ficou na minha cabeça. Até hoje, eu tento encontrar um exemplo onde ela não se encaixe. Ainda não consegui achar nenhum. E no skate essa verdade cabe direitinho.

A síndrome da VHS copiada

Quantas vezes você já ouviu aquele cara mais velho dizendo, com orgulho, que no tempo dele, todo mundo tinha que ver a mesma fita, quando tinha alguma, e fazer cópias horríveis pra poder emprestar, etc e tal? Eu já ouvi muitas vezes. Muitas mesmo.

Tenho 30 anos – nem sou tão velho assim – e já fiz muito isso também, por isso entendo perfeitamente a nostalgia. É a mesma de rebobinar fita cassete com caneta BIC, a milhão, ou de ouvir a música ficando mais lenta por causa da pilha fraca. Mas quando eu vejo alguém falando que tem saudade disso, ou chegando ao absurdo de defender que nessa época era melhor, dá vontade de falar: “Você tá postando isso no Facebook. Manda por telegrama pros seus amigos já que a saudade tá forte”.

O VX Days é a prova de que nós também gostamos de como as coisas eram antigamente e queremos preservar a memória. Mas é importante andar pra frente.

Você pode gostar da imagem e do som, assim como muita gente ainda prefere vinil ao mp3 320kbps, mas não pode negar o salto de qualidade. Por exemplo: eu acho que não existe captação em HD que vá transmitir o que o som e a imagem de uma VX passam. É inexplicável, uma questão de sentimento que faz lámigras rolarem. Mas temos que agradecer à tecnologia; hoje você pode, no mínimo, escolher se quer ver em HD ou na fita. Antes, não tinha opção.

Eu entendo a nostalgia, a saudade não. Hoje em dia, em questão de segundos, eu consigo achar o Mike Vallely andando no Public Domain (1988), o Tosh “Foi Surfar” Townend no Elementality (2005, aô, aô, aô), partes do John Cardiel, o Tengu – God Of Mischief, o Tony Hawk com 50 anos soltando parte nova em 2014, todos os King Of The Road, o Shotgun e outros vídeos aos quais assisti a vida toda. Se eu quiser, eu baixo tudo (se alguma otoridade estiver lendo isso, é tudo hipotético) e coloco no celular pra ver enquanto cago. Você vai me falar que assistir o vídeo de skate que eu quiser, no banheiro, não é melhor que VHS bichada? Vá pro inferno.

Hoje, tudo isso cabe no celular, e ainda sobra espaço pro Angry Birds.

A geração do YouTube

Segundo dados levantados por mim mesmo de maneira não confiável, essa galera presa no passado também gosta de odiar e falar um monte dos canais de YouTube que estão surgindo aos montes, fazendo tutoriais de manobra e tudo mais: “Na minha época, a gente via as fotos nas revistas e tinha que imaginar como era a manobra, não tinha essa moleza de hoje. Esses moleques são tudo mal acostumado. Tutorial de manobra tá matando o skate.” Não, cara, não tá. Talvez isso faça vários moleques acharem que o skate é treino e não diversão, o que é muito, muito zuado. E eu também não gosto do skate burocrático e envelopado, pronto pra ser consumido pelo maior número de pessoas. Mas matar não vai. Se você parar pra pensar, é a evolução natural do negócio. Aprender manobra passou das revistas, estáticas, para os vídeos, em movimento. Se você fosse criança hoje em dia, você também assistiria tutorial de alguém, por mais inacreditável e ofensivo que isso pareça na sua cabeça agora. Mesmo que fosse trancado no quarto e no modo anônimo do navegador (espero que você não faça isso com 25 anos na cara). Do jeito que eu vejo, é tudo uma questão de idade. E, como foi até hoje, alguns se tornarão skatistas de verdade (seja lá o que isso signifique), enquanto outros começarão a andar sonhando em ser campeão de alguma coisa, vão tomar suco verde e acordar cedo pra treinar. Mas isso sempre aconteceu, não é culpa do YouTube. Talvez ele aumente essa estatística, mas isso já existe.

Não seja assim, você já é adulto. Deixa as crianças. E eu usei bonecos do South Park pra ilustrar isso pra homenagear meu amigo Paulo Cintra que é fã da série.

Claro que cada vez mais o skate está se tornando um esporte, quadrado, chato e burocrático, mas eu concordo com o Pontus Alv quando ele diz que isso é bom pois, quanto mais tentarem empurrar as Olímpiadas e esse tipo de coisa guela abaixo, mais gente vai olhar pro lado negro da coisa e encontrar pessoas como nós, que gostam da coisa suja, pura, com personalidade. Talvez isso seja perigoso, mas é um risco do qual não dá mais pra fugir.

Voltando ao assunto. Se você acha esse tipo de vídeo YouTubizado ridículo, não significa que é ridículo. Significa que o conteúdo não foi feito pra você. Eu achava tudo isso uma merda, de verdade, até o dia em que entendi que aquilo não era feito pra mim. Eu vejo os comentários e a molecada mais nova ADORA. E se algum moleque fica só assistindo tutorial e não sai pra andar, a culpa é única e exclusivamente dele, não de quem fez o vídeo. A Black Media também não tem culpa de um monte de gente arrotando nos picos só por causa da vinhetinha final. Pra mim, cada um faz o que quiser da vida. Quem tem responsabilidade nas decisões da criança são os pais e ela mesma, não quem faz o vídeo e solta na internet.

O engraçado é que muita gente (leia-se quase todo mundo) assume que, pela postura, linguagem e identidade da Black Media, a gente odeia Guilherme Abe, Leandro Barsotti, SkatistaBR e esses outros caras do YouTube que estão bombando atualmente. Falando por mim (a opinião do Caetano e do Mug vocês perguntam pra eles), eu nunca faria algo nesse estilo, mas não acho esse tipo de conteúdo o fim do mundo (existem exceções que são bem vergonhosase ridículas). Obviamente, tudo tem seu lado bom e seu lado ruim. É triste ver criança pedindo dicas dessa ou daquela manobra na internet, ao invés de estar na rua ou na pista tentando e se ralando? É. Mas o azar é delas. Talvez um dia ela apanhe do moleque do “tio, deixa eu dar uma volta”, aquele de chinelo, e caia na real.

Uns perguntando se as pessoas conhecem o Adelmo, outros que não acertam flip e correm pra internet e, claro, moleques criando canais novos. Nós estamos velhos ou é normal achar isso zuado? O que é pior? O comentário ou o português?

Na única vez que conversei com o Abe, falei pra ele: “Eu acho foda que você quis fazer um conteúdo pra galera mais nova, foi lá e fez dar certo. Eu não teria paciência pra fazer vídeo pra molecada, não é comigo. Mas eu respeito e acho do caralho você estar fazendo a sua parada acontecer”. Eu gosto mais de gente que levanta a bunda e faz o que quer, do que de gente que reclama de tudo parado sempre no mesmo lugar. Enquanto você reclama, eles estão construindo o negócio deles, do mesmo jeito que eu estou construindo a Black Media com meus caríssimos sócios, depois de anos trabalhando pros outros e reclamando das merdas do skate. A gente nunca vai fazer tutorial de porra nenhuma, nossa pegada é completamente diferente, mas eu entendo o valor e o peso que isso tem no skate atual, principalmente com a molecada ranhenta. As duas únicas coisas que eu eu não entendo no skate são torcida com hastag e longboard dancing. Vai tomar no cu. Sério, você já viu essa palhaçada? Procura aí. E não venham dançar nos comentários.

O Giancarlo Machado, meu amigo e autor do livro A Prática do Skate em São Paulo, me falou uma vez que, na opinião dele, esses mesmos moleques são os que depois vão procurar uma mídia que não pegue tanto na mão, que seja menos didática e mais porradeira, como a BM aqui. Eu concordo, e já vi alguns casos em que isso aconteceu. Também já vi mamãe de skatista achando um absurdo a Black Media falar palavrão. Mas isso é outra história.

Esse tipo de família mongolona sempre existiu, mas agora é mais frequente do que nunca. Só cabe a você não deixar isso acontecer com a sua.

Eu sempre assisti e continuo assistindo MUITA coisa de skate na internet e TV, aberta ou fechada. Não tudo, porque é impossível, mas muita coisa, tudo que consigo. Eu posso garantir que tem gente com anos e anos de skate nas costas que não consegue fazer algo com metade da qualidade dos moleques novos, mais acostumados com a tecnologia e com a linguagem da internet. Nego que acha que “fazer na raça” pra sempre é algum tipo de virtude, e não se preocupa em comprar um microfone de lapela pra melhorar o som. Não adianta ser true se o seu conteúdo é mal feito. Hoje a tecnologia está na mão de todo mundo; o que faz a diferença é quem tá fazendo, suas ideias e a execução. Uma pessoa ruim cheia de equipamentos vai continuar sendo ruim, e uma boa vai se virar com o que tem e ir melhorando.

Só pra terminar, tô de olho em você que critica canais que tem tutorial, mas elogia o Skatelife, canal recém-lançado pelo Bob Burnquist e uma baita equipe, dentro da network do Luciano Huck, só porque são caras que estão há mais tempo no skate e você é amigo ou admira os trampos anteriores. Eles também fazem tutorial, filhão. Você tem que se decidir. Menos hipocrisia, por favor. Ou gosta ou não gosta.

No mais, a solução é simples: não gostou, não assista e faça o seu.

Gostou do que leu? Achou uma bosta? Concorda? Não concorda? É pra isso que esse post existe, pra gerar a discussão. Comente, espalhe, participe. Curta a fanpage e assine o canal também, caso ainda não tenha feito.

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