Talvez você não saiba, mas há uns 4 anos nasceu no mercado norte-americano, através da iniciativa de dois amigos, o #SkateshopDay, ou se preferir, o Dia da Loja de Skate.
Como o nome já diz, é uma data criada para comemorar, celebrar e, claro, tentar movimentar financeiramente de alguma forma as lojas reais, criadas por skatistas e que tem o mês de fevereiro como um dos mais fracos de venda do ano.
Sendo um romântico do skate, resolvi falar com skatistas reais, diferente do Fel que foi falar com o ChatGPT, e fui atrás de alguns donos de skate shops do nosso Brasil pra saber um pouco mais sobre como estão as finanças, quais foram as mudanças durante a pandemia e o efeito Olimpíadas.
Infelizmente não dá pra entrevistar todos os lojistas desse país e, com a correria do dia, alguns não conseguiram me responder a tempo, mas fica aqui o meu salve pra quem, mesmo com as dificuldades, acreditam que essa tábua de madeira com rodas pode mudar vidas.
Daniel Atassio, Ambiente Skateshop (Goiânia/GO)
Como vocês fizeram pra sobreviver com a pandemia?
Cara, sinceramente, a gente vinha sofrendo com a crise econômica de antes da pandemia. Eu acho que o skate sofre muito com uma crise econômica no país porque é um item supérfluo, apesar de ser muito importante pra gente que é skatista; mas é um item supérfluo nas famílias e custa caro, né? E desde 2015 a gente vem enfrentando dificuldade, as nossas vendas vêm caindo, e na pandemia a gente conseguiu driblar um pouco o problema de grana com alguns artifícios que a gente usou de financiamento, essas coisas, com a ajuda do Guega (Cervone), que fez um corre danado.
E o efeito Olimpíadas? Existiu ou não existiu?
A Olimpíada deu um bom resultado na venda de skate durante uns três meses, vendeu bem mas depois caiu muito! Hoje tá muito ruim, tá muito ruim pra gente vender skate, tem vendido muito pouca peça. Tá muito difícil porque a gente sabe, né? Todo mundo tá quebrado, sem grana, e quem anda de skate mesmo precisa fazer rolo pra conseguir continuar andando. E aí quem está comprando skate mesmo é criança com pai, mas aí é aquela coisa picada, de pouco em pouco. Então não tá muito bom, não.
A Ambiente é provavelmente a loja brasileira que mais faz eventos, e estando no último Goiânia Crew Attack deu pra perceber que movimenta uma cena que não é só de skatista. Vocês viram isso como uma oportunidade pra conseguir fechar a conta ou foi mais uma parada que foi acontecendo?
Não, a coisa dos eventos veio porque eu trabalhei com meu pai durante 10 anos antes de abrir a loja. Eu abri a loja em 2003 e já tinha trabalhado com ele dos 14 aos 25 anos com evento, porque meu pai é produtor cultural, sabe? Fiz muito evento com ele, então eu trouxe essa minha expertise e acabou que sempre foi natural pra Ambiente, tanto que a gente inaugurou a loja com show. A gente sempre teve uma parceria muito forte com a Monstro Discos, que é um selo independente aqui de Goiânia e sempre foi muito ativo na cena independente de música. Depois vieram vários outros selos e a gente sempre esteve presente nos festivais e em tudo que rola em Goiânia. Então era natural ter show durante um campeonato de skate, sempre foi, e nunca ganhamos nada com isso, sabe? É uma coisa mais de trazer um público diferente pro campeonato e virar uma festa, e aí foi virando uma festa cada vez maior que hoje é o Goiânia Crew Attack, por exemplo. Foi uma coisa que aconteceu, não foi planejado, não foi: “Ah, vou atingir o público simpatizante dessa forma”. A gente sempre faz show lá na loja, já fizemos mais de 200 shows só lá na loja. Pra nós é natural fazer show, discotecagem e tal, e acaba atraindo público simpatizante, virando referência e isso acaba ajudando bastante porque, se fosse depender só do skate, a gente tava fodido.
Tem alguma coisa que você sempre pensa que toda loja deveria fazer, ou algo externo deveria acontecer pra que as skate shops brasileiras tenham mais fôlego?
Stuque, tenho 20 anos de loja, 44 anos de idade, eu já perdi minha inocência [risos]. Ainda tenho meus ideais mas eu perdi minha inocência. Tem uma coisa que precisava muito acontecer pra que todas as lojas pudessem sobreviver e viver com mais saúde, sabe o que é? Que as grandes empresas olhassem pra essas lojas e oferecessem condições comerciais adequadas. Porque o que a gente vê hoje são as grandes corporações com um tipo de condição comercial que dá prejuízo pra loja. Já fizemos os cálculos aqui, entendeu? Não que a gente queira ficar rico, mas um negócio que não dá um mínimo de lucro, que não oferece condição de você pagar bem as pessoas que trabalham com você, de você pegar uma parte da grana e investir na cena, em time de skatista, em vídeo de skate, em conteúdo, esse negócio não vai pra frente, e com a condição comercial que a maioria das marcas oferece, é inviável. A gente estava passando por um momento bem difícil nesse sentido. A Vans, a Converse e a DC nos dão uma condição comercial muito boa, não é toa que são as três marcas que a gente trabalha hoje. Falando de tênis, né? Eu tô nuns grupos de lojistas do Brasil e eu falo: “Galera, vocês já colocaram na ponta do lápis? Coloca numa planilha todos os custos, vocês vão ver que é prejuízo. Você paga pra vender o produto”. É um absurdo porque, lá na ponta, os acionistas da marca estão ganhando muito dinheiro, enquanto a gente aqui, que rala pra caralho, faz um monte de coisa, não sobra nada. Mas resumindo: o que a gente precisa é uma boa condição comercial das marcas com as quais a gente trabalha.
Edu Pessanha, SoMa Skateshop (Petrópolis/RJ)
Qual foi a principal mudança que vocês tiveram que fazer desde o início da pandemia?
Logo antes da pandemia a gente estava começando a crescer as vendas da SoMa como marca, sabe? Pra quem tava começando, ter uns dez pontos de venda era legal, era bom e, com o início da pandemia, muitos fecharam. Um exemplo é que um desses lugares era a VOID, que tinha seis lojas e quatro fecharam. A gente tomou um baque, porque o plano da SoMa era justamente isso da gente começar a deixar de ser só uma skate shop e ser também uma marca que vende em outras skate shops do país, e o trabalho já tava sendo feito, já tava fluindo, e a pandemia fez a gente repensar um pouco. Não estrategicamente, mas numa questão mais emergencial, de sobrevivência, porque parou de vender. Os poucos que estavam com a gente estavam com a loja fechada ou estavam vendendo bem menos, os pedidos começaram a diminuir e a gente voltou a focar na venda da marca aqui pela loja mesmo em Petrópolis, na nossa região. Vamos dizer que no grosso da pandemia, na parte mais sinistra que foi o início de 2020 até 2021, a gente deu uma reduzida forte nesse planos de expandir a marca pelo Brasil. A gente continuou bem fechado com quem a gente já estava vendendo, tipo a Rema (em Campo Grande/MS) e o pessoal aqui da nossa região, e não estávamos nem procurando cliente novo, né? Esse ano a gente vai retomar esse projeto. E aconteceram outras coisas locais aqui em Petrópolis no ano passado. Justamente hoje está fazendo um ano daquela chuva bizarra que destruiu a cidade toda, e agora, por exemplo, tá chovendo pra caralho aqui e a galera está com o maior medo de ir lá no centro da cidade comprar, que é justamente onde fica a loja. Tem chovido direto há quase dois meses, então a loja fica fodida porque a galera não vai lá comprar, e aí como a gente está mais focado na loja, a loja não vendendo complica, sabe? Estamos numa situação um pouco mais chata agora, correria pra caralho sem entrar muita grana, sem muito crescimento, mas continuamos aí na luta, na resistência. A cena de Petrópolis é muito pequena, tá ligado? É uma daquelas cenas que, se a gente não se movimentar, der uma desanimada, não fizer vídeo, não produzir nada, não fizer evento, pode morrer. Se a gente ficar dependendo só da loja pra se manter e fazer os projetos que a gente quer, vai ser muito difícil, muito perrengue. A marca estava possibilitando ter outros sonhos, de crescer, de sair pelo Brasil, produzir coisa maneira que a galera que não seja petropolitana curta. Isso tava rolando e tava sendo bem legal, cara.
Mas a marca não parou 100%. Vocês continuaram produzindo conteúdo, mesmo vendendo praticamente só na loja.
Diminuiu o ritmo da SoMa como marca só nas vendas pra skate shop. A gente continuou produzindo vídeo, lançamos um vídeo agora no final do ano passado, fazendo shape direto, coleção nova toda hora… A produção continuou igual, o que diminuiu foi o atendimento com as lojas, porque ficou inviável fazer uma produção pra revenda, que requer uma equipe maior, um trabalho maior e é um trampo bem diferente da skate shop. E como a nossa equipe é pequenininha, eu faço muita coisa ainda. Tive que escolher entre dar um foco aqui na loja, que é o que paga as contas por enquanto, ou largar a loja e tocar a marca, mas eu não tive essa coragem. Como a gente já tinha começado um trampo nesse sentido de expandir a marca, a gente começou a chamar gente de fora pra participar da equipe, tanto que foi quando o Crobelatti e o Iti entraram. Então, assim: a gente teve que reduzir a questão de vender a SoMa aí pras skate shops do Brasil, mas ao mesmo tempo deu uma investida no time que é um pouco maior. Pra gente que era super local, acabamos chamando gente de fora que era mais conhecido na cena. E agora, em 2023, é tentar retomar esse trabalho de vender pros outras lojas esperando voltar, pelo menos, ao que estava antes da pandemia.
E o efeito Olimpíadas? Chegou até vocês?
Logo após as olimpíadas bombou! A gente vendeu peça pra caralho! A loja tem dez anos e a gente sempre vendeu muito mais tênis e roupas do que skate. E assim: somos skatistas, isso é uma skate shop, a gente nunca vai deixar de vender mas, se fosse depender das vendas de peça e tal, a gente tava fudido. Eu nunca fiz o cálculo ao certo, mas as vendas de peças devem ser de 5% a 10% no máximo do máximo por mês. E aí, logo depois das Olimpíadas, foram dois meses muito bons; o mês seguinte e o mês anterior às Olimpíadas. Lembro de fazer sempre o mesmo pedido de shape pra seis meses e acabou em um mês, tá ligado? Foi muito bizarro! A gente ficou feliz pra caralho de ver tanto skate saindo assim, pra galera andar e não só consumir o lifestyle, mas depois passou e hoje em dia está igualzinho antes. Não acho que essa modinha se manteve, foi uma coisa bem passageira.
Giordano Scarton, Yerbah Skateshop (Porto Alegre/RS)
O que teve de maior mudança pra vocês de antes da pandemia pra cá?
Eu vou ser bem sincero pra ti: a Yerbah sempre teve um posicionamento diferente em relação ao atendimento, então a nossa loja sempre foi de portas fechadas, por inúmeros motivos, mas primeiramente porque a gente preza por um atendimento exclusivo. O que seria isso? A loja fica num bairro afastado da cidade, um bairro industrial que tem tido um crescimento bem forte nos últimos anos em relação a bares, festas e cervejarias. E como não é um local comercial, onde acaba entrando clientes de rua, a gente sempre optou por trabalhar de portas fechadas; recebe o cliente na porta, entra com ele e sai com ele. O que mudou pra nós foi que a gente conseguiu, na verdade antes da pandemia, fazer o e-commerce da Yerbah, que era uma parada que eu já estava trabalhando em cima há um tempo. Acredito que não só, eu falando pela Yerbah, mas no geral, depois da pandemia todos os segmentos tem um e-commerce muito mais forte, porque as pessoas se acostumaram a comprar no conforto de casa. Acho que a maior mudança que a gente teve foi isso.
Vocês sentiram alguma mudança de público depois das Olimpíadas?
Questão de público das Olimpíadas… Cara, existem dois públicos, na verdade. Existe o skatista que realmente compra, anda, manobra, que é aquele que tu conhece, que tá na pista, na rua, e existe o simpatizante ou iniciante, que é aquele que acaba comprando skate montado ou skate de entrada; dependendo da situação financeira, pode até comprar um skate gringo, e por aí vai. Eu acho que a mudança de público, na verdade, foi o crescimento desse outro lado, dos iniciantes. Muito mais mulheres procurando skate por conta da “Fadinha” (Rayssa Leal). Eu acho que ela revolucionou muito essa parada, tanto do crescimento do skate feminino, quanto também a visão de pessoas leigas de fora, que viram o skate como uma coisa afudê, entendeu? Mesmo sendo o skate comercial de televisão, de Olimpíadas, de campeonato, que não é o que a gente vive, só dessas pessoas que antes olhavam pra nós de um jeito “X” começarem a nos ver de um jeito “Y” e entender que o skate não é aquele bicho de sete cabeças, já foi uma mudança muito forte que ela trouxe. E eu vejo que cresceu muito o público de mina comprando skate aqui. Teve momentos em que foi muito mais mulher comprando peça, e eu acho que foi a influência da Fadinha. Ela merece todo esse reconhecimento que tem.
Me fala uma coisa que você acha que toda loja precisa fazer pra se manter de pé.
Eu acredito que, pra uma skate shop se manter de pé, uma loja de skate de verdade, ela precisa ter os skatistas do seu lado. Eu acredito e defendo isso bastante: que uma skate shop, além de ser formada por skatistas, sejam os donos ou vendedores, todas as áreas também tem que andar de skate. Eu não digo ser o mais foda, o “balacão” que dá flip tail de back. Não; é tu viver o skate, entender como funciona, conhecer as pessoas, viver a pista, remar na rua, tomar refrigerante na calçada, sei lá… Viver isso que é o skate, as amizades, as coisas que não existem dentro dos outros esportes, dentro de uma faculdade, as coisas que só existem no skate. É muito importante, claro, ter pessoas que não andam ou que são simpatizantes. Mas a base, a estrutura, tem que ser de skatistas. E a loja tem que fomentar o skate da cidade, da sua região. Por exemplo: eu estou em Porto Alegre, não posso ficar querendo fomentar o skate em São Paulo. Tenho que olhar pra cá, pros guris e gurias que estão andando, incentivar… Se tiver precisando de uma peça, a gente vai dar um jeito de conseguir. Não deixar eles sem andar andar de skate, fazer o máximo possível pra que eles cresçam cada vez mais. Mas tem que começar pela tua cidade, tu tem que ser referência na tua cidade. Pode ter uma, duas, dez skate shops; não tem problema, nós não somos rivais. Skate shop tem uma única causa: fomentar o skate da cidade cidade onde está. Faz a cena local acontecer na tua cidade, movimenta com um best trick, um campeonato, patrocinando skatistas, se já tem uma estrutura a mais faz um vídeo… Entendeu? Fomentar todos os lados do skate: skatista, fotógrafo, videomaker; todo mundo faz parte de uma coisa só, nenhum funciona sem o outro, e eu acredito nisso. Uma coisa que eu sempre falo é que a skate shop não é só uma loja, é um ponto de encontro dos skatistas. É onde tu vai pra encontrar o pessoal, amigos ou não, e vai ter outro skatista lá. Isso é uma skate shop: um ponto de encontro.
Legal demais as ideias e as visões dos entrevistados, mto foda! Todo mundo equilibrando pratos 🙂