O documentário “Chave para a liberdade”, que mostra um pouco do projeto de aulas de skate ministradas pelo Testinha na Fundação CASA, emergiu pela primeira vez na rede mundial de computadores graças a um dos responsáveis pela produção, o senhor Guilherme Guimarães.
O Gui, pois sou íntimo, dirigiu o Cityzen (Vibe) e o Veredas (Converse), e também o documentário Verdadeiro, contando a história de uma das lendas do skate de rua brasileiro, Biano Bianchin.
Tendo tudo isso em mente, resolvi bater um papo rápido com ele pra saber um pouco mais sobre sua experiência em documentar o que foi o primeiro projeto social com skate do Brasil, a sua transição de jornalismo pro audiovisual e um pouco sobre os filmes “skatísticos” que não são só sobre manobras.
Esse projeto tem cerca de 15 anos. Por que você resolveu publicar agora?
Matheus, eu acho que porque ele estava sendo maturado [risos]. O Murilo (Romão) fez algumas exibições desse documentário e a gente tinha feito alguns DVDs e tal, mas não colocamos no YouTube. Aí, conversando com o Testinha um tempo atrás, ele falou que toda turma de aluno que vai lá na ONG Social Skate ele mostra o documentário, que foi super importante pra ele esse registro. Apesar de que teve um registro bem maior depois, né? Mas sendo mais específico na pergunta, eu acho que agora é a hora certa de mostrar pra galera o quão importante foi esse trabalho que o Sandro fez. E eu já ouvi – não sei se é verdade isso, tem que pesquisar – que vai voltar um trabalho parecido com o dele nas Fundações Casa, usando o skate como ferramenta de inclusão social.
Que registro maior foi esse que rolou depois?
Não sei se você sabe, mas o Mark Jeremias veio junto com o Mike Vallely para o Brasil e eles fizeram um episódio da série DRIVE, pro FX. Eu mandei o documentário daqui, eles vieram no ano seguinte e fizeram esse registro maior pro Sandro. E eu lembro que uma professora minha na faculdade até falou “Cuidado! Você manda uma ideia muito boa como essa pros gringos, os caras têm recurso pra vir aqui”. Ana Paula o nome dela. Eu pensei que eles não iam vir pro Brasil pra fazer isso. Dito e feito.
Pô, nem sabia que existia esse programa.
É bem legal esse programa do Mike Vallely. Faz tempo que eu vi mas é muito bom. O nosso foi um embrião, mas eu não sinto que o deles foi cópia, a gente que passou a ideia mesmo pra eles e, no final, foi bom pro Sandro, deu mais visibilidade pro projeto dele, dessa vez pro mundo inteiro. Muito louco, né?
E como vocês chegaram nessa ideia de mostrar o trabalho que o Testinha fazia na época?
Te falar a verdade mesmo, eu não lembro exatamente de quem foi a ideia, mas lembro que a gente descobriu esse projeto do Sandro, mostramos pro nosso orientador na época e ele achou que a gente deveria fazer um documentário sobre. Um projeto experimental, né? A gente tava aprendendo.
Quanto tempo vocês tiveram do início ao fim das gravações? Ir de Campinas pra São Paulo é uma caminhadinha, né?
Eu acho que a gente começou a teorizar o projeto no primeiro semestre, e aí a gente gravou no segundo semestre. Gravamos em uma instituição feminina e uma masculina; uma era em Taipas e a outra em Itaquera, e depois a gente foi pro centro de São Paulo pra gravar com o Michel. Não lembro quantas vezes foram exatamente, mas pelo menos umas 5 vezes em 2 meses.
Vocês mostraram quais foram as lições que os meninos e meninas conseguiram tirar do skate. Qual foi a maior lição que você tirou desse projeto?
Acho que o principal é entender que o skate é uma ferramenta de transformação, né? E, de certa forma, até de revolução. É muito mais amplo do que o ato de andar. O que o Sandro fazia por esses meninos era dar uma nova perspectiva de vida e acho que essa foi a parada que mais me pegou quando a gente tava fazendo. Normalmente nós somos frutos do meio em que vivemos, um reflexo do que tá ao nosso redor e tudo mais. E aí, às vezes, as crianças não tinham essa percepção que o skate mostrou pra eles. Pra você conseguir ser bem sucedido no skate não precisa ser profissional de fato, mas você vai ter que tentar bastante como qualquer coisa na vida. Tentativa e erro até acertar, tá ligado? Acho que basicamente é isso.
O “Chave para a liberdade” você fez durante o curso de jornalismo, mas hoje trabalha com audiovisual. Foi esse momento que você pensou em seguir fazendo vídeo de skate?
O primeiro vídeo de skate que eu fiz eu tinha 11 anos, chama “Como tudo começou”. Era basicamente eu, meus amigos e meu irmão andando na frente da minha casa [risos]. A gente editou na VHS e fez o vídeo. Depois segui a vida, mas só me liguei que eu gostaria de trabalhar com audiovisual mesmo quando eu fiz esse documentário. Era o último ano da faculdade, eu tinha 20 anos acho, quando caiu a ficha mesmo que eu tinha aptidão e poderia trabalhar com isso. “É isso aí que eu tenho que fazer, isso que eu gosto de fazer, tô fazendo isso faz tempo”.
De lá pra cá você produziu muita coisa, fez projetos independentes como o Mirrors e o Parapluie, tiveram os full-lengths Cityzen pra Vibe e o Veredas pra Converse no ano passado, sem contar tantos outros curtas. Mas em 2020 você dirigiu o documentário Verdadeiro, contando a história do Biano. Foi a primeira vez que você voltou a fazer um filme desse tipo?
Foi! O do Biano eu gostei muito de ter feito porque foi recuperar essa veia jornalística. Você tem que ir atrás das pessoas, fazer entrevistas, levantar informações, é massa. Uma coisa que eu tenho vontade de fazer mais pro futuro, quando eu ficar cansado de carregar fisheye, é trabalhar com documentário, porque eu acho que é muito importante contar essas histórias.
Tem algum tema que fica na sua cabeça pra fazer um documentário ou que você gostaria que alguém fizesse?
Eu tenho muitas ideias, você tá ligado, né? Quando a gente fez esse do Biano eu fiquei pensando que tem muito skatista aqui no Brasil com uma contribuição enorme pro skate nacional. Por exemplo o Fábio Cristiano, que merecia que alguém contasse a história dele, porque o impacto do skate dele na cultura nacional é muito grande e alguém tem que documentar isso pra não deixar essa história morrer. Isso em relação ao skate. Mas eu tenho vontade de fazer outras coisas também mais pra frente.
Além do “Verdadeiro”, os últimos documentários que vi foram: “Into The Mirror: Fragmentos” da Pipa Souza, e o “Imaterial” do Shinji Shiozaki, que tratam de dois objetos diferentes dentro da nossa cultura. Você lembra de algum documentário de skate que te marcou?
Um que me marcou que eu gostei bastante de ter visto foi o Dirty Money, do Ale Vianna.
Com todos esses anos de experiência com audiovisual “skatístico” o que você fala quando alguém mais novo te pede algum conselho pra ser um bom filmmaker?
Persistência, né? Acho que o mais difícil é ser resiliente e ficar tentando até uma hora dar certo. Se você tem vontade e acredita no seu talento, tem que ter persistência, porque a única coisa que cai do céu é chuva, você tem que correr atrás, ainda mais num país igual o nosso. É muito difícil, mano. Tem que fazer o corre mesmo! A única coisa que eu posso falar é que não vai ser fácil. E ver muita referência! Dentro e fora do skate; principalmente fora, pra agregar no skate.
Pô, valeu Gui! Agradeço pelo seu tempo e pela sua disponibilidade e se quiser deixar alguma consideração final, o espaço tá aberto pra você enquanto eu assisto essa lista gigantesca de vídeos que falamos aqui.
Matheus, eu que te agradeço por me ajudar na divulgação. De considerações finais, eu gostaria de dizer que tenho profundo respeito e admiração pelo Testinha, porque ele começou esse projeto como voluntário, sem ganhar um tostão. De tanto ele persistir deu certo, e por um tempo virou o trabalho dele. Fico feliz também que a minha mãe o tenha conhecido, na época não percebi o quanto isso foi importante. E por fim, espero poder estar contribuindo de alguma forma na construção da história do skateboard brasileiro.
Super Gui 😍