Lucas Xaparral é um dos caras mais infiltrados no game quando falamos de skate brasileiro. Acabou de sair da Emerica e já entrou na Vans, faz o corre e ganha a vida como skatista profissional e foi destaque até no Next New Wave, projeto do Berrics com a The Skateboard Mag.
Ele tinha um HD com várias imagens que foram rejeitadas mais de uma vez, acabaram não entrando em nenhum projeto e iam direto pro lixo; esforço perdido, suor à toa. Essa entrevista é sobre isso: patrocínios, a validade dos vídeos, das fotos, a velocidade da internet, do Instagram, das redes sociais e o papel da vídeo parte no skate atual, mesmo que seja uma parte bastarda, só com os rejects. Porque a gente gosta dum lixo também.
[Fel] Você é profissional desde 2007, certo? Acabou de sair da Emerica e já entrou na Vans… Ficou pouquíssimo tempo sem patrocínio de tênis. Você ainda precisa ficar indo atrás quando perde um patrocínio ou as marcas já vem até você? Tá mais fácil do que antes pra você?
Graças a Deus, as coisas vem acontecendo meio naturalmente. Só que eu não tenho agente, não tenho alguém que luta pelas minhas coisas, que vá negociar pra mim ou coisa do tipo. Eu tenho que correr atrás se quero alguma coisa. Hoje eu vivo do skate, tenho família pra criar, dependo de grana, normal… Também tenho que correr atrás. O lance com a Vans aconteceu meio naturalmente. As paradas da Emerica não estavam tão legais, o Mancha saiu, a estrutura ficou muito ruim pra mim e eu acabei saindo. Nisso, eu fiquei um tempo sem patrô mas, de imediato… Na verdade, até antes de eu sair, o Kbeça veio falar comigo, me perguntar algumas coisas e tal… A gente foi conversando, aí eu saí e peguei uns Vans pra usar, vi o interesse deles, eu também tinha interesse porque é uma marca que eu curto muito, e acabou acontecendo. Esse não foi um lance que eu precisei correr atrás, mas não fiquei parado esperando.
[Fel] E também você tá “correndo atrás” há nove anos, né? É tipo o cara que desenha um negócio muito foda em dez minutos, mas porque já tem quinze anos de dedicação por trás. É meio que resultado disso, né?
É, eu acredito que tenho uma história legal no skate e a galera sabe valorizar isso aí. Isso facilita um pouco. Mas não deixo de ir atrás também, correr, me preocupar com isso. Como eu falei, não tem ninguém que faz isso pra mim. Então se eu não fizer…
[Fel] E a mudança de patrô? Tipo… Você tá produzindo, tirando foto, filmando, e aí saiu do patrocínio e entrou em outro. Você perde esse material? Como funciona isso?
Teoricamente, perde, tá ligado? A maior parte do material tem adesivo no shape, aparece logo, aparece o tênis… E eu não quero mais usar nada da Emerica e tal… Essas imagens já ficaram velhas, não faz mais sentido. Eu quero começar uma nova história, filmar outra parte até o fim do ano usando só Vans, vincular essa imagem da Vans comigo. Eu acho que vai ser coisa rápida, porque eu fiquei só um ano na Emerica e a imagem já ficou vinculada fortemente, mesmo eu fazendo pouca coisa. Mas é isso; acaba virando um lixo, apesar de ter sido suado, ter dado trabalho. Infelizmente, o skatista sai prejudicado nessa parte.
[Caetano] E como fica pro cara que filmou também?
Então, fica ruim pro skatista e pro videomaker, pro fotógrafo também, né? Cada caso é um caso, tá ligado? Não é que não pode usar. A imagem em vídeo eu ainda acho mais maleável, dá pra trabalhar melhor. Agora, a foto eu acho muito difícil você conseguir usar, porque na foto aparece muito mais o logo, fica congelado ali.
[Fel] Mas esse negócio de não usar o material parte mais de você ou do patrocinador?
No meu caso, parte mais de mim. Ninguém falou nada, mas eu não quero mais. Não quero que saia coisa minha usando marcas que eu não tenho mais a ver. Mesmo porque não foi legal o jeito como aconteceu. Então eu não faço questão nenhuma. E eu não acho legal nem pra mim nem pra marca. Os caras da marca também não iam gostar muito, sabe? Acho que é dos dois lados. Não partiu deles, partiu de mim, mas acho que não é bom pra nenhum dos lados.
[Fel] Que é o que ia acontecer com essas manobras do vídeo, com essas fotos… Ia tudo pro lixo. Por isso que a gente resolveu soltar agora, pra galera ver esse lado também.
É, a ideia é mostrar isso mesmo. Que, hoje em dia, não só esse lance do patrô, mas também tem o lado das imagens ficarem velhas, porque é tudo muito rápido, muito dinâmico. O cara faz uma manobra cabreira e já posta no Instagram… Uma coisa que ele poderia guardar, juntar e fazer uma parte cabulosa.
[Fel] Então você acha que ainda vale a pena juntar… Tipo, mesmo que não seja uma parte de dois minutos, mas um minuto e meio ali, juntar 30, 40 manobras, esperar e soltar numa parte? Você acha que tem mais impacto do que soltar na net de uma em uma, três em três?
A questão nem é o que vale a pena, é o que você acredita ser certo. Eu acredito que vídeo parte, tipo… Eu nasci assistindo vídeo parte, foi o que me fez começar a andar, é o que me faz respirar skate 24 horas, tipo… Eu tenho que continuar fazendo isso, acreditando nisso. Acho que é importante não perder essa essência. Acho que nada é melhor do que você juntar as imagens e fazer uma parte. A parte é um dos elementos principais pra um skatista, muito mais que campeonato, que Insta, que like, que qualquer outra coisa. Isso é importante também; é legal você trabalhar as redes sociais… Hoje é fundamental, todo mundo precisa, as marcas precisam desse retorno. Mas a parte é a parte e acabou. Além do seu skate, ela mostra sua ideia, seu rolê, seu estilo, tudo. É uma forma de se expressar; você consegue mostrar mais com a música, com a edição, com o sentimento, você passa muito mais. O vídeo no Insta é só aquela manobra e já era.
[Caetano] O cara vê de dia no Insta e de noite já esqueceu.
Eu acho viagem dos caras, principalmente dos skatistas. A marca pode forçar o cara a fazer tal coisa. Mas, se o skatista tiver pulso firme, argumentar do jeito certo, lutar pelo que ele acredita, ele consegue ser mais forte que a marca, que a revista, que qualquer projeto. Acho que os skatistas tem que lutar mais por esse lance das partes, por essa essência, ter mais paciência, esperar, guardar as imagens. Nessas minhas imagens aí tem coisa de mais de três anos que, pra mim, são da hora até hoje. É importante soltar uma parte, não soltar tudo desesperado no Insta atrás de like. Acho que o skatista tem que ter essa postura. Se ele agir assim, consegue mudar todo o sistema. O foco não é o Insta. Ele é importante e precisa ter conteúdo diariamente. Mas isso pode ser algo que já saiu, ou uma manobra que você deu antes de dar a verdadeira e não vai usar na parte. Acho que ele tem que ficar meio que no segundo plano. Eu até tenho umas filmadas que não vou usar em parte, mas até nisso eu viajo. Não quero soltar elas sozinhas, vou juntar tudo e soltar um minuto no Insta, tipo uma InstaParte. Acho mais da hora do que ficar soltando um bagulho só por dia.
[Caetano] Você acha que essa parte que tá saindo é um lixo por causa do lance dos patrocínios ou por causa das manobras?
Não, por causa das manobras não. Eu gosto muito das manobras que saíram aí. Se eu não gostasse, aí seria um lixo, já teria até apagado tudo. Hahahaha! Não ia usar em nenhum lugar. Eu gosto bastante dessas imagens, por isso decidi juntar tudo e fazer essa parte.
[Fel] Mas o nome que a gente decidiu é por isso, né? Tipo, olha aqui o que ia pro lixo.
É, e não só por causa da mudança de patrô e tal, mas essas imagens foram “rejeitadas” mais de uma vez. Eu já filmei isso há muito tempo, já queria ter usado faz tempo. Tem coisa que eu tô de Globe ainda. Mas não cabia dentro dos projetos que foram lançados. O projeto da Element (New World Element) era só imagem no Brasil, e essas são nos EUA na maioria. A parte do Berrics, do Next New Wave, era mais focada em coisas “impressionantes”, entendeu? Eles quiseram usar imagens mais técnicas que eu, particularmente, nem gosto tanto. Eu prefiro essas imagens aqui do que as que eles usaram. Mas é gosto. E aí acabaram sendo rejeitadas duas vezes, e virou um lixo que eu não queria jogar fora, então decidi fazer essa parte.
[Caetano] Como é ter umas manobras desse nível rejeitadas pelo Steve Berra que não solta nada faz tempo? Hahahaha!
Hahahahaha! Ah, acho que não foi rejeitado por ele em si, acho que era a proposta do projeto. Só skate absurdo, nível surpreendente, coisa nova e tal, aí não coube. Normal, eu entendo… E acabou sendo bom, porque deu pra soltar essas aqui na Black Media.
[Fel] E o que te traz de bom sair uma parte na gringa, ao invés de soltar sozinho ou em algum veículo aqui no Brasil?
Querendo ou não, tudo que sai lá, o mundo inteiro vê. E o que sai aqui, só o Brasa vê. Mas eu acho os dois importantes. Essa parte, como tinha muita coisa filmada nos EUA, em picos clássicos, era importante sair pelo Berrics, pra galera ver mesmo, ficar marcado mundialmente isso. Pros caras saberem, tipo: “Pô, esse cara veio aqui, deu noseblunt nollie flip no Jkwon. Às vezes, se eu solto essa parte aqui no Brasa, nunca um cara lá de fora ia ver. Não iam ficar sabendo das manobras que foram dadas nos picos lá. Então, nesse caso, era importante sair lá fora. Mas tem várias coisas que, usando aqui, a gente consegue trabalhar muito mais, divulgar melhor. Até porque tipo, lá no Berrics a gente não teve controle de nada, não teve acesso. Quando é aqui, dá pra trabalhar melhor, anunciar, divulgar melhor. Dá um retorno melhor regionalmente, mesmo que não mundialmente.
[Caetano] Qual te deixou mais feliz? O switch tail que saiu no 411 ou essa parte do Berrics?
Ah, sem dúvida nenhuma foi o switch tail. Primeiro, porque era um sonho sair naquela parte do 411, na abertura. Até hoje, quando eu ouço aquela música arrepia, é muito forte. E a fase que eu tava vivendo também; eu era muito mais novo, mais emocionado, tudo era muito… Sabe? Não que tenha perdido o valor, mas a gente vai acostumando com as coisas. Hoje já fui pros EUA várias vezes, já tô mais acostumado. Fico feliz, mas não é igual a quando é tudo novidade. Foi muito louco aquilo, aquela época… Marcou muito mais do que essa parte, com certeza.
Caso você ainda não tenha assistido à parte com os rejects, o lixo, aqui está:
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