InícioSeçõesEntrevistasUma conversa com Pedro Paraguassú, skatista e doutor em Física

Uma conversa com Pedro Paraguassú, skatista e doutor em Física

Uns meses atrás estava “dipassagi” pela cidade de São Paulo com Felipe Oliveira, que falou pra passarmos na Roosevelt. Ele queria me apresentar pro Bebel e pro Charp, integrantes do Vidalocagi.

Era uma noite de pós-chuva, ninguém com skate e, depois de algum tempo de conversa sobre o próximo projeto deles, que era o “Versão BraZileira”, o Charp fala que a parte de abertura era de um skatista que tá fazendo doutorado em Física.

Desde então fiquei com essa informação na cabeça, mas nada aconteceu. Até que, simplesmente do nada, apareceu o vídeo “Insolente” na Black Media, em que Pedro Paraguassú também abria o vídeo.

Como sou um cara muito religioso, entendi isso como um sinal de Deus.

Entendi que essa entrevista era uma forma de fazer as pazes com o mundo dos cálculos, já que na minha primeira prova de Física na escola o professor escreveu: “Você não sabe matemática. Como chegou no ensino médio?”. Provavelmente, eu tinha muito rancor guardado por esse acontecimento.


Bebel, Charp e Ace. Foto: Pedro Martins (@drinpeh)

Você é o primeiro skatista doutor do Brasil?
Não sei, né, cara? Com certeza, tem alguém andando de skate e fazendo doutorado ou mestrado. Aqui no Rio, por exemplo, tem um amigo que faz mestrado no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). Tem também o Antônio, o “Excomungado”, terminando o mestrado agora em matemática. Nós inclusive andamos juntos, fizemos a première do Vidalocagi e ele foi com a gente. Tem, sim, uma galera fazendo vida acadêmica e andando de skate.

Com todo respeito à comunidade “skatística”, eu não imaginava uma coisa dessa não. 
Acho que é até natural, porque é super conciliável ter uma vida acadêmica e andar de skate, fazer vídeo parte, filmar, fazer as paradas. Porque tu tem muita liberdade, então não me surpreende ter mais gente também, até porque eu não conheço todo mundo.

Depois que você passa da faculdade e vai fazer mestrado, doutorado, deixa de ter aula todo dia?
É exatamente isso. No doutorado que eu fiz, foram quatro anos que eu tinha que fazer algumas matérias, mas na metade eu não tinha mais nenhuma matéria pra fazer, só precisava fazer pesquisa, entregar resultado. Se eu planejasse entregar isso, com antecedência ou não, não precisava estar ali, bater ponto nem nada. No final, dependendo da relação que você tem com o orientador, pouco importa o que tu tá fazendo. Ainda mais no meu caso. Sendo teórico, eu só preciso de caneta e papel, posso estar em qualquer lugar fazendo e isso me dava liberdade.

Entendi! Então dá super pra conciliar skate e estudo. De forma bem resumida pra quem, como eu, não é entendedor: qual foi a sua tese?
Minha tese foi sobre calor. O título foi “Explorando o Calor na Termodinâmica Estocástica”. Termodinâmica é a teoria que estuda trocas de energia; calor é uma troca de energia. Estocástica já é uma palavra que vem do grego e que quer dizer aleatória. Existem partículas, por exemplo um grão de pólen na água, que se movimenta de maneira aleatória, e há esse movimento aleatório porque existe uma troca de energia aleatória. Essa troca de energia é o calor. Eu estudo essa aleatoriedade e foi o que eu investiguei na tese para diferentes casos, diferentes sistemas físicos. E inclusive corrigir uma das fórmulas do calor pra um subgrupo de sistemas. Mas foi isso; eu estudei muita probabilidade, estatística, essas coisas do calor dessa quantidade física em específico. Foi isso que eu fiz.

Não entendi muito, mas sobre essa correção de fórmula de que você falou: quer dizer que no seu estudo você percebeu que a fórmula que os físicos usavam estava errada?
Nesse sentido eu corrigi, mas foi adicionando uma coisa. Eu notei que faltava um termo na fórmula e isso deixava a teoria consistente. E vi que tava faltando energia cinética, energia de movimento… O pessoal tava trabalhando desconsiderando isso. É uma contribuição pequena quantitativamente, mas pra teoria fazer sentido a energia cinética tem que tá presente; foi o que eu acabei descobrindo. Mas eu não diria que estava errado, errado. Os resultados anteriores valem, só tava incompleto.

Caralho! De uma certa forma isso realmente influencia a comunidade, não sei se só acadêmica, mas do mundo da Física, né? Perguntando com todo o preconceito do mundo, por que Física?
(Risos). Cara, acabei caindo de paraquedas no mundo da Física porque no último ano do ensino médio eu vi uns documentários e achei super da hora: mecânica quântica, buracos negros, esse tipo de coisa. Não foi o que eu fiz no doutorado mas, na graduação, fiz iniciação científica em buracos negros. Eu super fiquei amarradão em aprender essas paradas, porque é a realidade, né? Tipo, é o mundo ao meu redor, e eu queria entender como é que são as leis da natureza, só pra entender mesmo, acabei entrando e virou uma profissão. Foi por isso. Nem nunca fui bom aluno no colégio nem nada, só tava querendo mesmo era andar de skate nessa época.

No final, você trabalha na área como físico, professor de escola ou algum instituto?
No momento eu tô numa espécie de limbo, né? Terminei o doutorado agora. Eu gosto de dizer que sou cientista freelance, ganho dinheiro por fora pra fazer pesquisa acadêmica. Tô trabalhando num laboratório de optomecânica aqui na PUC-RJ, mas volta e meia eu vou pra São Paulo e trabalho com termodinâmica estocástica na USP, onde eu tenho uns contatos. E aí é como se fosse um freela de pesquisa, porque eu dependo de edital e agora não tem nenhum. O que tinha eu acabei de me inscrever e só sai o resultado lá pra outubro, e meu próximo passo é fazer um pós-doc formal. No final, fazer o que eu faço agora é ser um estagiário da ciência. Pesquisa, mas com salário fixo.

Põ, então tem mercado de Física no Brasil. Mas dá pra viver ou só sobreviver?
Ah, entrando numa instituição dá pra viver bem. No final você vira professor, acadêmico, professor pesquisador, e aí fica tranquilo. Com pós-doc dá pra viver bem mas no momento, como freelancer, não. Se eu estivesse afim de fazer uma grana, o melhor mesmo era trabalhar em uma empresa como cientista de dados ou algo do tipo. Paga muito melhor e bem mais que um professor pesquisador. Mas não é por isso que eu corro atrás, é só um plano B se de repente der tudo errado (risos). Mas tá dando tudo certo, então continuo no caminho que eu quero.

Wallride Shove It. Sequência: Theo Andrade (@theoandrada)

Tem o lado de “se vender”, entre muitas aspas, mas tem a caminhada até chegar ao ponto de virar professor. Tem alguma relação do mundo acadêmico da Física e do skate?
Acho que dá pra dizer que tem, dá pra enxergar e traçar paralelos. Tem uma cena acadêmica; você publica artigos e o pessoal conhece o seu trabalho e… Bom, no skate você faz vídeo parte, fotos e materiais, e aí o pessoal te conhece e você vai construindo uma carreira, tem que ir para os eventos, depende muito de networking também. Eu acho que algumas vantagens acadêmicas são as instituições, afinal o governo está te pagando para isso, né? É ciência. Mas tem, sim, paralelos. Uma coisa em que acho que o skate me influenciou muito foi a dedicação. Me dediquei muito para aprender algumas manobras, principalmente no começo, e também foi assim na Física. Comecei sem saber muita coisa e aí eu pensava: “se eu conseguir aprender essa manobra, eu consigo aprender essa matéria aqui”. Tem esse paralelo também. Eu tento enxergar muitas vezes essas conexões pra saber o que eu estou fazendo, interpretar o que eu tô fazendo e o que acontece com as coisas que eu estou fazendo.

E teve alguma coisa da Física que você conseguiu levar pro skate?
Cara, até tem mas demorou pra surgir. No caso, eu notei que por causa do momento de inércia era melhor mandar o 360 de back mais fechado com o corpo, tá ligado? Eu já sabia mandar mas ia na intuição, e aí eu me liguei que mais fechado era mais fácil, porque eu estava estudando mecânica e tem isso lá. Momento de inércia. E acho que foi a única vez, de resto sempre foi andar na intuição mesmo.

E além das manobras?
O nível de organização desse trampo na Física ajudou a fazer as paradas do Vidalocagi e a trabalhar, sabe? Pra mim é tranquilo fazer coisas que seriam chatas. As coisas do Vidalocagi eram um trampo mesmo, um monte de première e tal, e a experiência na Física me deu uma base pra isso.

O skate vai te dar uma base pra fazer qualquer coisa

Pedro Paraguassú, o Ace

Então tá confirmado que se o skatista quer ser melhor no skate, tem que fazer coisas além de andar de skate.
Acho que sim. E falo não só como skatista, mas como pessoa. O skate vai te dar uma base pra fazer qualquer coisa, você tem uma vantagem quando anda e também faz outra parada. As pessoas podiam aproveitar essa base que o skate dá.

Esse ano saiu uma parte sua no último do Vidalocagi, outra no Insolente, que saiu aqui na Black Media. Teve mais alguma coisa que eu não tô sabendo?
Não posso deixar de pontuar: tem o vídeo do Theo, o Íngua, que não tá no YouTube, só no Vimeo mocado. Eu também abri o vídeo e fiz uma parte como no Vidalocagi e no Insolente.

E esse link do vídeo? Não vai rolar, não?
Vou mandar.

ÍNGUA from Theo Andrada on Vimeo.

Porque ninguém viu isso antes?
Mano, o Theo amassa! Mas ele faz os vídeos pros netos verem. Ele tá registrando tudo que rola no Rio. Até na minha tese ele foi (risos).

Além de abrir vídeo de skate, tem mais alguma coisa em que você é viciado?
Editar vídeo é uma das coisas que eu sempre gostei e nunca deixei de fazer. Apesar do Sharp estar tocando o barco nos vídeos principais do Vidalocagi, eu ainda faço e tenho tentado explorar, fazer coisas diferentes dentro do audiovisual, experimentando fazer vídeo de skate, sem skate… Isso é uma das coisas que eu mais gosto. Além disso, também pinto um pouco, mas isso aí eu deixo mais escondido, só os mais chegados estão ligados do que eu já fiz. No geral, eu vou me envolvendo com todos os projetos dos amigos próximos. Tem a Fussy, que eu entrei pra comprar pano e organizar, fiz um photoshoot… Tipo, gosto de movimentar coisas também, sabe? No momento eu tô sem grana mas, quando eu tô com grana, boto nos projetos da galera e tento contribuir assim, de coringa, sabe? Eu gosto muito de fazer acontecer: eventos, première, esse tipo de coisa. Eu consigo me dedicar e acho que tem resultados satisfatórios.

Isso é uma parada foda. A minha visão, como alguém que não conhece a cena de skate do Rio presencialmente, de estar no dia a dia e afins, é que é uma parada mais orgânica, mais coletiva.
Sim! A cena do Rio é muito mais sobre movimentação cultural e social do que marca e essas coisas. É uma cena menor e isso também conta porque, se você tem menos gente consumindo, você tem menos marcas. Teve um “boom” do Rio em 2013, com muita loja de skate e quando surgiram todas as pistas. Fizeram meio que tudo na mesma época e aí esfriou. Agora a gente tá tendo o “boom” das escolinhas.

Caveman. Sequência: Theo Andrade (@theoandrada)

Esse “boom” das escolinhas tem rolado no Brasil inteiro, né? Bom que ajuda vários skatistas a pagar as contas de casa.
Cara, sim. Isso meio que vira uma defesa pra parada, porque é foda tu chegar na pista e ter uma porrada de criança fazendo aula. Tu quer só dar um rolezinho, sete da noite, horário de trabalhador… Mas, porra, aí tu vê quem tá dando aula. São os cria, pô, galera do skate mesmo, os true. Aí, porra! Tu não vai falar nada porque tu sabe que o cara tá fazendo o dele né, mano? Aí tu entende.

Mas você não pensou em entrar numa dessas de dar aula?
Nesse momento eu não tenho bolsa, né? Eu me inscrevi numa bolsa de pós-doc, mas o resultado só sai em outubro. E aí eu dei o papo no Índio, porque ele foi meu patrocinador da Preda, em 2003. Eu meio que era filho dele. E agora ele tem a maior escola aqui do Rio De Janeiro, fez galpão, o Caverna Spot, e eu pedi um emprego para ele mas acabei ganhando uma grana aqui do meu chefe – ou futuro chefe – para me manter na Academia. E aí eu prefiro ficar na Academia do que ficar dando aula de skate. Ele (Índio) chegou a me oferecer inclusive trabalhar como social media da criançada. Os pais estão pedindo pra ter social media, sabe? Mas eu prefiro ficar fazendo ciência do que essas coisas. Mas é um bom ponto; o que defende as escolinhas é essa galera, os de verdade, que tão conseguindo fazer uma grana e conseguindo sobreviver.

Então o futuro da Vidalocagi é agenciar novos skatistas?
Eu acho que até poderia ser por aí, mas acho que não num tom tão profissional. A ideia é, coletivamente, ajudar em projeto da galera, mas não seria sob esse rótulo de agência, com essa vestimenta. Seria uma coisa mais orgânica mesmo.

Ninguém faz nada sozinho

Pedro Paraguassú, o Ace

Fico torcendo pela Vidalocagi Agência De Novos Talentos, mas como sempre gosto de fazer no final de uma entrevista, tem alguma coisa que você queira falar? Mandar uma mensagem pro Brasil, pro mundo, agradecer alguém, sei lá.
Ah, não sei se eu quero agradecer alguém, não. Mas se fosse pra deixar uma frase final, só pra fazer uma graça, colocaria assim: “Ninguém faz nada sozinho.”

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Edvaldo Amorim
6 meses atrás

Só pra registra, tenho 52 anos ando de skte desde os 14 e também tenho Doutorado em Planejamento Urbarno e Regional, além de ser professor universitario. Legal saber que tenho um Doutor parceiro no skt…

BiblioteKarlos
BiblioteKarlos
6 meses atrás

O skate brasileiro está precisando disso, a volta das entrevistas (em texto e não em vídeos). Para conhecer mais dos/das skatistas. Valeu. BM ✍🏾👏🏾👏🏾👏🏾.

Editado em 6 meses atrás por BiblioteKarlos

SEGUE NÓIS

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