Linhas de Fuga é um projeto pessoal do skatista profissional Marcelo Garcia, o Dodô, que juntou vários amigos e colocou a faixa de pedestres do Terminal da Lagoa, em Floripa, na personagem principal. Se você ainda não foi no post original assistir ao vídeo e ler o texto de Fábio Luiz Pimentel, vá agora. Aqui, abaixo, uma conversa que tive com o Dodô sobre o projeto.
Antes de falar do vídeo, quero saber como você está, qual é o seu momento no skate. Fala pra mim.
Tô morando em Floripa, aqui na ilha. Já fazem alguns anos que eu voltei de São Paulo. Acredito que estou morando aqui há uns seis anos. Eu sou de Floripa, mas morei em São Paulo desde que era amador até me profissionalizar pela Agacê. Voltar pra cá foi um momento de transformação. São Paulo é diferente de Floripa, e tô feliz que agora o skate tá bombando por aqui; uma galera andando, filmando, muita gente vindo pra cá. No momento, tô com o patrocínio da adidas, Crail e Honey Pot. Represento essas marcas no skate, e meu momento no skate é de reorganização. Eu tô sentindo, pelo menos através das coisas com que eu estou me conectando, que estou me reorganizando, reentendendo o skate depois da pandemia, me organizando, querendo andar com aquele sede de explorar as coisas. Muita vontade de andar de skate, como sempre, e dar continuidade a alguns projetos que deram uma reduzida no ritmo. Tô filosofando bastante na minha posição como skatista dentro do mercado, com essa cena de agora em que os campeonatos estão voltando a ser super valorizados. Quando eu comecei a andar de skate, começo dos anos 2000, era a transição, saindo dessa valorização dos campeonatos e indo pro skate de rua, vídeo, revista. É com isso que eu me identifico até hoje. E agora, os campeonatos voltando a serem valorizados, e esse skate de vídeo, com rede social, tudo mais acessível pra produzir, enfim… É um momento também bem legal, muito conteúdo publicado e muita gente tentando refletir qual é o futuro do skate. Tô vendo o skate com uma liberdade muito massa pra se expressar. Tem tipo de skate pra tudo, skatista pra tudo, mídia pra diversos tipo de skate… Acho que tá tendo uma liberdade de expressão muito massa. Fico feliz, isso me agrada muito.
Agora falando do vídeo: a gente tem o texto do Fábio, que fala mais do conceito, da ideia. Eu queria saber também algo mais tangível: de onde surgiu a ideia do vídeo?
Vou te falar a versão que eu me lembro. Hahaha! Tava começando a pandemia e aqui em Floripa, no primeiro mês, foi bem forte o lockdown. Todo mundo em casa. Claro que deu algumas semanas e uma galera começou a sair, mas a pandemia pegou forte aqui. E aí, o que aconteceu? A Prefeitura, ou o Governo do Estado, não me lembro quem, liberou fazer atividades ao ar livre, mas as praças ainda estavam fechadas. Onde a gente andava, a Trinda, estava fechada. E tem esse terminal de ônibus, o TILAG – Terminal Integrado da Lagoa. Eu dei um salve no Santi, o videomaker, pra gente ir andar de skate lá. A minha ideia era só fazer um Instinha da hora, mais trabalhado. Eu dei essa ideia no Santi, de fazer algo pro Insta só nas faixas, e ele falou: “Pô, mano, vamos fazer de VX”. Ele tinha acabado de pegar uma VX, tava na pilha de filmar com ela. Aí eu concordei e a gente foi brincando. E aí, andar nas faixas, tu vai se acostumando a andar nelas cada vez mais. Tem várias possibilidades, a gente ia enxergando um desafio diferente a cada dia, tá ligado? E nisso a gente foi se pilhando e ficou uma cara andando nas faixas de pedestre. Foi tudo no mesmo lugar, só no Terminal da Lagoa. E aí, depois de um tempo filmando, acho que um ano e pouco, a gente viu o Alê Veloso, o storyteller, começar a fazer umas ilustras, tipo: “manualzinho na faixinha, quem nunca?”. A gente tava começando a editar o vídeo e eu dei um salve no Alê, perguntei se ele tava com algum projeto maior, ele não tava com nada. Aí eu falei: “Pô, bem louco, né? A gente é amigo, cada um numa city. Louco que a gente tá pensando na mesma parada”. Aí convidei ele pra somar e ele fez a ilustra. Aí ele falou pra gente chamar o Fábio pra fazer o texto. Ele escreveu, falando sobre essa sincronicidade, sobre pessoas distantes pensando em andar de skate nas faixas, levando um pouquinho mais a sério a brincadeira.
Esse vídeo me lembrou de uma época em que o Cotinz, Zokreta, Dente, estavam fazendo umas paradas assim: pega um elemento minúsculo e transforma na personagem principal. Qual você acha que é a importância de fazer um vídeo assim, só na faixa de pedestre, no momento atual do skate?
O Dente é foda, já aprontou várias desse tipo. A primeira que eu vi foi no Antihorário, vídeo do Cotinz, que a parte dele era toda sem lixa. Aí depois fez um edit com o Zokreta batendo o nose no meio fio e subindo. Ele sempre teve essa criatividade, referência demais. Essa da faixa de pedestres a intenção era só registrar, a gente tava viajando, andando no que estava ao nosso alcance. Mas depois começamos a filosofar: “Pra que a gente tá fazendo isso? Tem algum sentido? Qual pode ser a importância disso?”. E aí começamos a conversar e vimos que a faixa de pedestre é um elemento comum a todo mundo, tem perto da casa de quase todo mundo no mundo todo. É um pico, né? Quantas pessoas a gente vê falando que não vai andar porque não tem pico? A gente mesmo, sempre reclamando que não tem pico. E desde criança, quando a gente passa remando no asfalto, podia ser uma faixa de pedestre, de um rachado até um outro rachado na rua, tentando levar de manual… Eu considero isso importante, motivar a galera, principalmente quem tá começando, a se divertir com o que tem. Sempre tem alguma coisa que dá pra fazer na sua área. Skate é isso, o que importa é se divertir. Estar ali, aproveitando. E aí a gente começa a questionar muita coisa também. O nosso skate é muito colonizado, né? Muito norte-americano. Corrimão, gap, os obstáculos que as pistas tentam reproduzir, isso vem principalmente do skate norte-americano. Aí vem o skate da Europa, com mais flow, arquitetura cabreira, bem diferente. Também tem influência do Japão e outros lugares, né? E aqui no Brasil, qual é o skate que nossa arquitetura propicia? Mas é isso, o que eu vejo de importante é motivar, principalmente a molecada, a andar de skate com o que se tem, não ver a limitação.
Aqui no Brasil, o asfalto é uma merda e a única parte lisa é a faixa, né? Todo mundo dá aquela jogadinha pra passar por cima. Mas pra terminar: o que pra você é andar de skate no Brasil? O que caracteriza o skate brasileiro?
Bem essa, é a parte lisa da rua a faixa de pedestre. O que é o skate brasileiro? Essa resposta não tem como dar. Cada resposta que a gente der, vai estar limitando. Como tentar dizer o que é o skate. Tem vários tipos de skate, e o Brasil é uma mistura cabulosa, um país gigante, cada área com seu toque especial, cada lugar tem um skatista, uma referência, um vídeo que predomina, um pico clássico que faz a galera andar mais de um jeito ou de outro. Mas acho que é importante a gente querer andar nas coisas que tem aqui, não se limitar. Deu vontade, faz, anda. Eu lembro que quando a gente tava filmando pro Uni.Versus da Agacê, tinha até o adesivo da campanha, que era “por um skate mais brasileiro”. Foi um vídeo mais nessa pegada que você falou; só usamos trilha sonora nacional, tinha o Cotinz, Daniel Marques, o Fábio Cristiano que sempre andou de um jeito único, só sai andando e vai interpretando as coisas sem se limitar, fora do padrão. Uma pessoa que pra mim é skate brasileiro total, um cara que tá totalmente fora da caixinha, é o Kbssa, o Alison Rosendo. É muito bonito, muito inspirador. O próprio Will também, que pega um elemento e se aprofunda, anda de skate com ferramenta, coisa da obra, facão, tá ligado? É uma mistura cabreira. A molecada da nova geração também vindo com tudo; a geração que veio antes da gente, que desbravou todos os picos… Tudo isso é skate brasileiro. Com essa diversidade, a gente é mais livre pra se expressar. Acho que a gente vai cada vez mais encontrar o que é o skate brasileiro.
E andando nas faixas, você ficava imaginando algum obstáculo? Dá pra ver que, algumas horas, você nem dá o ollie, só dá aquela empurradinha pra descer um degrau e tal. Qual foi?
Hahaha! Não, não imaginava outro obstáculo, não. Era só a faixa mesmo. Mas as faixas brancas ali do terminal são bem saltadas, tá ligado? E as amarelas são no nível da rua mesmo. A única regra era não sair a roda pro lado. Foi o maior motivo de refazer algumas; A VX é foda porque não dá pra ver como ficou, mas o Santi depois arrumou um esquema que dava pra voltar e ver o tira-teima.
