O mais recente pro model de tênis de Marcelo Formiga é o DECIMO, mais um em parceria com a Hocks, marca que ele representa há mais de 10 anos. Aproveitando o lançamento, que saiu inclusive com uma vídeo parte (assista abaixo), troquei uma ideia rápida com ele sobre o DECIMO, o Vale e outras coisas que surgiram durante a conversa. Divirta-se:
Décimo tênis pela Hocks! Como foi que você entrou na marca?
Eu já tinha passado por todas as marcas de tênis, as gringas que vinham pro Brasa e tal. E a gente sabe como são os projetos de coisa gringa, a maioria dura pouco tempo. Eu já tava querendo entrar em outras marcas, tava no processo de entrar numa outra. Porque eu tinha um apoio da loja Colex ali no centro, que era a loja que fazia os baratos das bandas: Parteum, Kamau, Natiruts, Nação Zumbi, todos os artistas de rap e reggae, né? Eu tava ali, pegando uma paradinha ou outra, já tentando fazer o esquema pra entrar numa outra marca. E aí o Kennedy, representante da Hocks, me deu um papo e começou a meio que rolar. Eu tava indo pra outra parada e, do nada, surgiu a Hocks. Já conhecia um pouco, tinha as roupas, o Jhony Melhado era da marca na época… Uma marca nacional com potencial de fazer uma parada legal no Brasa. E aí entrei de verdade na marca, e pra mim foi… Não foi surpresa porque eu já vinha de um trabalho com várias paradas, criando uma energia muito forte. Veio a calhar para mim e pra Hocks, que também estava numa transição.
E vindo dessas marcas que você disse que não duravam muito, a ideia na Hocks sempre foi fazer um trampo a longo prazo, duradouro? Tinha essa conversa?
Não é que tinha essa conversa, mano, mas as pessoas me conhecem. Eu gosto de andar de skate, de estar em loja, de estar com pessoas, do lifestyle do skate, a cultura… Acho que é diferente de dar uma manobra, meter uma roupa, curtir uma música… O skate é muito maior que tudo isso.
E como foi a conversa sobre o primeiro pro model de tênis, você lembra? Você já entrou na marca sabendo que ia rolar, ou aconteceu depois?
Vou ter que perguntar depois pros caras os nomes dos tênis, mas eu usei um que se chamava Coruna, acho, meio apertado. Eu sempre passei meu feedback, acabei construindo a marca com eles, né? Acho que era Coruna, eu gostava do solado. Eu também usei muito tênis de basquete; nos anos 90 os caras usavam muito. As marcas também se inspiravam em tênis de basquete. O primeiro tênis que eu usei era meio cano alto, meio mid. E aí já rolou meio que um colorway meu. Então são mais de 10 tênis na verdade, tá ligado? Porque teve o colorway que foi desse tênis que eu gostava, tinha uma sola legal, era meio cano, tipo um sapatinho de interior assim. Eu gostava dele, era diferente. E aí eu escolhi três cores e esses tênis começaram a vender. Aí acho que esses colorways venderam uma cotinha legal e já desenhamos o model mesmo. Na época, foi um tênis inovador, pelas ideias e conceitos que eu usei; eu gostava do model de tênis do TX, peguei várias referências de vários tênis e coloquei no meu. Então são 10 tênis, mas teve o colorway. Lançou o primeiro, aí o segundo foi cano baixo, porque o tênis começou a ser muito falsificado na época, e aí os caras decidiram fazer ele cano baixo. Mesma silhueta, mas cano baixo. Era um tênis legal, eu tenho todos os tênis. Eu só não tenho o Pro Runner, mas dos outros eu consegui guardar um de cada um.
E quando vocês vão fazer um pro model, como é o processo? Você decide tudo, cria, manda as ideias, ou eles te dão alguma opções e você vai escolhendo? Como é o processo de criação?
Eu gosto pra caramba de tênis, né, mano? Então os caras me dão uma abertura bem grande. Já aconteceu de eles chegarem com um tênis, com uma silhueta, e falarem: “A gente quer que esse seja o seu tênis”, e eu não aceitar, falar: “Não, eu quero desenhar um tênis com vocês, criar, dar as referências do que eu gosto e vocês também com as de vocês”. Tem que ser muito perfeito, porque tem que ser a cara da marca e tem que vender na loja também, né? É um conjunto de coisas; é uma parada bem legal o desenvolvimento do tênis. O moleque que desenha é muito naipe, ele desenha vários e vai remodelando, ajustando, tá ligado? É uma parte de criação bem louca. Eu gosto, sou suspeito pra falar porque eu adoro tênis como um todo. É bem legal desenhar tênis com o pessoal da Hocks.
E você já teve alguma ideia mirabolante que brecaram? “Esse material não dá, não dá pra fazer isso…”. Já tiveram que te tesourar?
Na real, não teve. Mas a gente já lançou tênis antes da época. O Pro Runner, que tinha uma meia de neoprene, tava à frente do tempo, tá ligado? Tanto que as pessoas pedem esses tênis até hoje. Quem teve, teve, mas ainda aparecem algumas relíquias por aí. Como eu tenho a pegada mais dos anos 90, os caras tentaram desenhar algo como os tênis de basquete pra mim. O do Vale mesmo; ele tem uma forma meio de McLaren, o bico dele… É uma coisa bem diferente. E tipo, não querendo falar sobre esse ícone master dos tênis que é o Jordan, mas desde que eu entrei na Hocks a gente vem tentando fazer uma parada que deixe um legado mesmo. Todos os tênis tem uma história. Marcou época pra empresa, pros lojistas, pra galera que comprou. E esse último agora, o DECIMO, é cabreiro, todos os detalhes pensados e tal… Como eu tô lá desde o começo, eu vejo que tem toda uma evolução; no tênis do Japinha, no tênis do Zezinho, no do Lorran, que é mais slim… Os tênis vem evoluindo nesses 10 anos que eu tô lá. Nesses 10 anos, eu só uso Hocks. Se não fosse uma parada legal, eu não iria usar. Principalmente a parada da sola, que eu peço pra ser mais rígida, porque o tênis tem que ser flex mas você não pode apertar o tênis e ele desmanchar, tá ligado? Tem que ter uma estrutura. E a maioria dos meus tênis foi feita pra andar de skate. Eu sempre exigi a camurça; O meu primeiro tênis mesmo, ele foi muito de nobuck, porque era muito bonito e é um material mais nobre. É tipo a camurça, só que é uma parada que você penteia, dá um brilho no tênis. É diferente. Mas eu sempre pedi camurça, tá ligado? Materiais diferentes também, os caras usam bastante. Ah, saíram muitas cores… Do primeiro, do Pro Runner, do Solo, são vários nomes. Como você vai escrever, escreve direitinho lá. Hahaha! Tem toda uma história pra ter esse DECIMO agora.
E você usa só seu pro model ou usa outros também?
Não que eu não use os outros, mas pra andar de skate eu ando com o meu, porque a sola… Se você colocar meu tênis, sabe quando você pula uma escada e cai com o pé no chão? Não vai torcer o pé, porque tem uma estrutura na sola. Tem outros modelos mais estofadinhos, com os materiais tão bons quanto, só que a estrutura da sola é diferente.
Queria falar do Vale rapidinho. Já passou um bom tempo da reforma do Vale, de toda a treta que foi conseguir o espaço do skate, o Memorial do Vale. Até hoje o movimento do skate não diminuiu por lá, inclusive só aumenta. Qual o seu sentimento quando você anda lá, cola lá?
É cabreiro. Não é só uma sensação, eu vivo isso todos os dias da minha vida, desde que foi destruído e construído de novo. Eu vivo lá, estou lá todo dia. É cabreiro, é cabreiro. Eu não sei nem o que falar porque é muita vivência, muito amor, dedicação.
Eu lembro de você chorando quando o Vale acabou. Deve ser um misto de tristeza e alegria pra você, né?
Chorei porque era muito real, do meu coração mesmo. Chorei mais ainda porque os caras falaram que ia construir o Memorial. Só dos caras descerem lá do prédio, as primeiras reuniões lá no Vale… Eu já sabia que iam construir, mas estamos no Brasil, né, truta? A gente desacredita até o fim, só acredita quando estiver pronto. Tinha uma energia tipo: “Mano, nem vai, não vai dar certo”. Mas eu sempre fui com a energia de: “Mano, o Murilo (Romão) tá ali, o Murolo é o cara que vai desenhar”. Eu não conhecia o Murolo, mas ele era amigo do Murilo, que estuda pra fazer os vídeos de skate, fala sobre a metrópole, São Paulo, a degradação da vida na cidade. Foi um bagulho de muito amor mesmo. O Murilo é ativista né, mano? Ele é um monstro. E o skate é político, né? O que a gente tá fazendo agora é política, tá ligado? A gente consegue as coisas assim.
Já parou pra pensar que a sua geração viveu no Vale antigo e viu esse Vale novo nascer? Já tem uma geração que só pisou no Vale novo, as lembranças deles vão ser todas desse Vale.
Skate é foda, é muito amor mesmo, de verdade. E vai perpetuando. Porque ali é um lugar de encontro da periferia, no meio da cidade. Isso não é uma fala minha, é da Rosa Kliass, que desenhou o Vale antigo. Ela pediu pra não quebrarem o lugar, triste. Podia ser preservado e construído tudo aquilo ali mesmo; o lugar era muito mais bonito, mais atrativo. Hoje é um lugar de festa, coisa de dinheiro, tá ligado? E a gente continua lá embaixo, abandonado. É assim que eu me sinto. Eu vivo ali; não abandonado por mim, porque lá frequenta criança, pessoas mais velhas que estariam tomando remédio, dentro de casa. Vão os amigos, filhos de amigos.
Voltando pros tênis, quanto tempo demora da ideia, do “vamos fazer mais um tênis”, até chegar às lojas?
A gente tem a ideia, aí faz um esboço, aí começa a fazer de verdade. Pegar uma sola, colocar, ver como fica a estrutura. Sei lá, seis meses, três meses? O último tênis foram acho que sete versões até chegar na final, sete protótipos ou quase isso. A gente fica se comunicando direto quando tá desenhando. Tem as paradas de cor… São várias ideias até ficar bem alinhadinho; acho que não chega a ser seis meses, porque a gente tenta fazer um por ano. Então deve ser de dois a três meses pra ficar pronto, acho. E pegar o protótipo, filmar com ele, e aí eu ainda mando mais um feedback e o que vai pra loja é outro, finalizado mesmo. O DECIMO tem nylon mesh, neoprene conformado, uma parada que vai numa prensinha e fica uma traseira da sola muito doida. Tecnologia cabreira.
Você curte aquela outra parte do trampo, esses compromissos que surgem quando lançam produto novo? Foto, skate shops, etc.?
Eu gosto de ir nas lojas. Acho que é muito importante, porque eles acreditam naquilo também. É uma parte da engrenagem, tem que ter. Eu pego o microfone, pego a criança, pego a senhora, troco ideia com todo mundo. Eu gosto disso, sempre gostei. Não sou de fazer live, de aparecer em podcast. Não sou muito de me expor em palavras. O DECIMO ainda vai ter mais cores, vai ter a coleção Cápsula Olímpica. Vou visitar algumas lojas, falar do tênis pra galera, distribuir uns brindes.
Você fica mais feliz quando vê algum amigo usando seu tênis, ou quando vê alguém que não conhece usando, na natureza selvagem?
Cabreira essa pergunta. É bem louco quando você vê um moleque, skatista, que compra e fala: “Comprei o seu tênis”. Tô lançando tênis há 10 anos, venho fazendo vídeo partes há muitos anos também, sempre numa crescente, evoluindo. O skate não é só dar a manobra, é um bagulho de criar, é como fazer um tênis. Esse último foi muito bem elaborado, é o tênis de 10 anos, é uma história que tá sendo construída há 27 anos.
E os amigos que tem patrocínio de outras marcas de tênis usam seu tênis escondidos? Conta aí. Hahaha!
Não, mano! Mas tem uns que eu encontro que põem o tênis no pé, que calçam o mesmo número, pra dar aquela testada, né? Até eu; quando meus amigos lançam tênis e é do mesmo número, não custa nada usar o tênis do parceiro uma vez. Todo mundo se curte, curte as paradas um do outro. Eu sempre fiz do coração, né, mano? E já escutei gente falar: “Mano, não pode, não vai pro coração. É business, isso e aquilo”. Mas sempre fiz tudo com muito amor e muito carinho: as vídeo partes, os raps que eu uso… É sempre pra salvar e erguer as pessoas. Graças a Deus, consigo hoje ter uma família e me sustentar através do skate. Tudo foi feito com muito amor e muito carinho mesmo, de verdade.
Dá pra ver. Dá pra ver de fora quando a pessoa faz só pelo dinheiro ou porque também ama mesmo.
E agradeço a todo mundo que consome o produto, porque as pessoas que acreditam, acompanham a história, sabem da vivência, sabem do rolê, sabem o que está acontecendo de verdade. E se você for escrever uma última coisa, escreve aí: “Obrigado, meu Deus!”.