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Jamie Thomas sobre o fim da Fallen – Jenkem

Um dos assuntos mais polêmicos e de maior impacto no mercado de skate dos últimos tempos foi o fim da Fallen. Fundada em 2003 por Jamie Thomas, a marca era uma das mais autênticas e trouxe vídeos como o clássico Ride The Sky e Road Less Traveled. No dia 13 de abril de 2016, Thomas anunciou o fim da marca. Ian Michna, da Jenkem Mag, conversou com ele sobre o acontecido.

Nós traduzimos pra você entender cada palavra, pois achamos importante e interessante que os skatistas brasileiros leiam as palavras de um cara que está no mercado americano, como skatista e empreendedor, há tantos anos.


Você pode falar um pouco sobre os últimos anos da Fallen? Qual o lado bom e o lado ruim de ter ido para a Dwindle (distribuidora) e, no final, porque a decisão de acabar com a marca?
Passamos os últimos 24 meses tentando “consertar” a marca; consolidamos uma relação com uma nova fábrica, pra melhorar a qualidade, e redesenhamos toda a linha, com exceção de algumas coisas. Nos focamos nessas duas coisas primeiro, porque eram as principais reclamações que chegavam do público para a Dwindle. Eu, pessoalmente, tirei um tempo pra ligar pra quantos clientes consegui e explicar nossos planos de ressuscitar a marca. Acho que a parte boa foi que os novos designs eram bons e estavam sendo bem recebidos; mas a parte ruim é que o mercado está num ponto muito interessante e, não importa o que nós fizéssemos, parecia ser muito tarde. Eventualmente, as vendas diminuíram até o ponto em que eram muito pequenas pra atingir o mínimo de quantidade necessária para a produção da coleção do outono de 2016. Quando você chega nesse ponto, tem duas opções, se quiser continuar: pagar muito mais caro para produzir uma pequena quantidade, ou produzir o mínimo que a fábrica exige e depois inundar as TJ-Maxx e Costcos do mundo todo com tênis que sobraram. Pesamos tudo e não fez sentido insistir nos números negativos, pagando a mais pra produzir menos. A outra opção era, obviamente, muito ridícula vista de qualquer ângulo. Então, coletivamente, decidimos que havíamos atingido o fim e era hora de cortar as perdas.

Você disse em uma outra entrevista: “A Fallen cresceu muito rápido e diminuiu na mesma velocidade. Quando uma marca tem essa trajetória, é difícil sair vivo”. Quais foram os melhores anos da Fallen e o que levou a marca a decair rapidamente depois?
Nossos melhores anos foram 2006 e 2007. Os fatores que fizeram a marca começar a decair foram todos que você possa imaginar, mas a gota d´água foi a crise econômica. Aumento de preços… Nossa fábrica pegou fogo, nos obrigando a trocar de fábrica no meio da temporada, e é sempre difícil pra uma fábrica nova entender a qualidade esperada de um tênis de skate, o que criou dificuldades de qualidade e de entrega, ao mesmo tempo. Também nos vimos em um clima em mutação, com as grandes corporações colocando muita pressão nas lojas pra comprar mais, o que significava cortar as marcas pequenas. Alguns de nossos melhores clientes também estavam com dificuldades de manterem as portas abertas, o que diminuiu o dinheiro de todo mundo. Isso começou a impactar no nosso fluxo de dinheiro, verba de marketing… Também perdemos o (Chris) Cole, o que, obviamente, teve um impacto nas vendas e imagem da marca. Basicamente, foi a tempestade perfeita, tudo ao mesmo tempo.

Jamie Thomas e a o time da Fallen em 2008 (Reprodução Jenkem Mag)

Você começou a Fallen como uma marca crua, 100% skateboard, do tipo daquele skatista que arrisca tudo no corrimão, sem medo de perder tudo, de quebrar a cara. Você acha que esse estilo de ver as coisas está entrando em extinção? Você acha que isso foi um fator que contribuiu para a diminuição das vendas da Fallen?
Sim, de certo modo. Acho que o skate está virando algo mais a ver com criatividade e estilo, porque todo mundo pode fazer tudo. Você precisa fazer alguma coisa pra fazer sua marca ou tal skatista se destacarem no meio disso tudo. Acho que isso foi o que menos impactou na caída da Fallen, porque outras marcas estão enfrentando os mesmo desafios, só que um de cada vez, não todos ao mesmo tempo. Minha missão agora é manter a Zero crua, original, e trazer caras da nova geração para o estilo da Zero, pra continuar reinventando a marca sem perder as raízes. Também é mais fácil lutar pelo seu com uma marca de shape, porque essas grandes empresas não podem ou não querem entrar nessas trincheiras do skate; não há margem de lucro suficiente pra elas aí.

Ao longo dos anos, qual foi o fã mais maluco da Fallen que você encontrou, ou a coisa mais maluca que você viu alguém fazer pela Fallen?
Eu vi muita tattoo, o que é sempre lisonjeiro mas também bizarro. Minha esperança ao criar a Fallen era que as pessoas tivessem um sentimento de marca de shape com ela, que fossem leais à nossa missão, o que não é tão comum com marcas de tênis. Acho que isso funcionou bem nos primeiros anos, até pela minha carreira estar onde estava e caras como o (Chris) Cole e o resto do time. Mas, com o passar do tempo, a dinâmica do time mudou e o espírito da marca parecia não importar tanto quanto antes.

Onde tudo isso deixa os skatistas da marca agora? Tomara que eles achem novos e bons patrocínios, mesmo que hoje exista muita gente boa e pouca marca de tênis pra todo mundo.
É, não é uma boa situação pra ninguém, inclusive pra mim. Quando surgem problemas desse tamanho, minha maior preocupação é sempre com os patrocinados e funcionários da empresa. Mas, eventualmente, você precisa encarar a realidade que não dá pra continuar cuidando de todo mundo. É uma merda.

O que você achou do post do Tommy Sandoval no Instagram sobre tudo isso?
Eu amo o Tommy e sua paixão pelo que ele acredita. Não quero me fazer de vítima ou culpar ninguém pelo que acontece na minha vida. Aprendi, há muito tempo, que a vida é dura e nem sempre justa. Sei que a Fallen morreu por inúmeros fatores. Tendo dito isso, tenho que reconhecer que as marcas de esporte continuam fazendo o possível e o impossível para matar qualquer um que não tenha recursos do mesmo tamanho, o que é realmente zoado. Eles estão cortando o oxigênio na raiz, ao caçar skatistas que estão no flow, ou são amadores de marcas core, oferecendo mais do que eles recebem, mesmo que já tenham 50 amadores e 100 pros de flow no time. A Nike tem um team manager pra cada nível e, agora, eles até contrataram o Mike Sinclair, que era team manager da Dekline, um caça-talentos, porque ele é ligado às redes de eventos amadores e sabe o que acontece nas ruas. Nós tínhamos esse garoto de Minneapolis no flow por quase três anos, esperando florescer. Quando eu liguei pra ele na segunda-feira, pra dar a má notícia sobre a Fallen, a resposta dele foi que o Sinclair tinha ligado e oferecido pra ele andar pela Nike, e ele já estava até usando os tênis. Fico feliz que ele já se arranjou, mas a Nike precisa pegar todo mundo que é bom no skate? Isso faz com que seja impossível pra marcas autênticas de skate cultivarem a próxima geração de talentos, o que deixa nosso destino nas mãos de caras que agora trabalham pra Nike.

Se um investidor chegasse e quisesse levantar a Fallen ou comprar o nome, você deixaria ela continuar sob o comando de outra pessoa, como aconteceu com a World Industries?
Ao meu ver, esse seria o pior cenário possível.

Antes da Fallen, você andava pra Circa, no auge da marca. Você teve um dos maiores tênis na história do skate. Quanto você ganhava na época da Circa e o que te fez largar essa grana e começar a Fallen?
(Risos) Não gosto de falar de dinheiro, mas era mais do que eu jamais imaginei; foi assim que eu comecei a Black Box. Saí da Circa porque nós deveríamos ter lançado uma marca irmã, baseada no sucesso da minha linha na época, mas eles tiveram problemas gigantescos com as marcas de snowboard deles, o que os fez entrar num problema grave de grana. Na hora, eles abandonaram a ideia da nova marca e não conseguiram me pagar por uns três ou quatro meses. Conforme a situação se agravava, eles não sabiam se conseguiriam se recuperar e me pagar. Então, quanto mais eu ficasse ali, mais arriscado era. Ir pra DC pra começar a Fallen não parecia arriscado de jeito nenhum; dá pra sentir quando chega a hora.

Anúncio da Fallen em 2004

Onde você fica agora, falando de patrocínio de tênis? Você andaria pra adidas, Nike, Cons ou Vans?
Não tenho nada em vista, vou continuar usando Fallen e tentar não pensar nisso tudo por um tempo. Tenho alguns projetos em que estou trabalhando e estou animado, então vou me focar nisso. Além disso, também não fui pago pelo tempo que investi na Fallen, durante três ou quatro anos. Então não tem um salário que eu agora não recebo mais, eu simplesmente nunca recebi. O estranho é que eu acho que todas essas marcas que você mencionou, apesar de só irem atrás do dinheiro, são inegavelmente boas e fazem coisas incríveis, tem ótimos times, apoiam eventos da indústria e cuidam dos seus. Tendo dito isso, não sei se eu me encaixo nos moldes de alguma dessas marcas, com exceção da Vans, que sempre foi uma marca de skate. A Vans tem um time imenso, inclusive com caras com histórias parecidas com a minha. Tenho princípios e crenças sobre as marcas que eu gostaria de apoiar, mas esse não é o meu propósito de vida. O truque é equilibrar essas crenças enquanto continuo fazendo o que amo e cuidando da minha família.

A Nike está no skate há mais de uma década. Você acha que eles vão ficar por bastante tempo ou um dia vão pular fora?
Não acho que eles saiam tão cedo. Mesmo que as coisas piorem muito, sinto que eles ainda vão achar um jeito de fazer sentido continuar aqui; suas raízes estão se aprofundando a cada dia e o skate influencia a cultura pop. Então, minha teoria é que eles vão continuar pra poder usar o skate como uma ferramente de marketing, pra fazer com que o negócio de massa deles pareça inovador e cool, o que, com certeza, dá certo.

Olhando pra trás, você acha que foi muito ganancioso ao começar tantas empresas?
(Risos) Não acho que foi ganância, mas admito que fui um pouco ambicioso demais. Nunca me preocupei muito com quanto dinheiro isso ou aquilo faria. Só estava obcecado com a evolução. Acho que descobri meus limites do jeito mais difícil.

Se você tivesse uma marca nova de tênis, consideraria ter o Forrest Edwards como o principal pro, o líder do time?
(Risos) O Forrest é um skatista incrível e muito engraçado, mas ele não é um líder.

Anúncio da Fallen em 2009

A morte da Fallen teve um impacto pessoal em você? Você pretende continuar muito tempo como skatista profissional? Ainda dá pra fazer umas vídeo partes?
Estive numa luta dificílima com a Fallen durante anos. Todo esse tempo com a pressão de correr contra o relógio, fazer o possível e o impossível pra Fallen dar certo. Então, por mais difícil que fosse ficar fazendo ligações na segunda-feira, é um alívio poder, finalmente, continuar a minha vida. Fui andar de skate ontem, pela primeira vez depois que saiu a notícia, e tudo pareceu melhor, me sinto mais leve. Fisicamente, me sinto bem; tenho meus problemas e preciso me alongar muito pra aquecer, mas dou o meu melhor quando estou filmando pra uma parte ou algum projeto, então vou continuar até não conseguir mais. Quero descer corrimão até estar parecido com o Willie Nelson (risos).

Alguma época de destaque ou memória desses anos?
Cara, os primeiros dias foram maravilhosos, tudo parecia novo e não havia pra onde ir a não ser pra cima. Trabalhar em projetos são sempre as melhores coisas pra mim; viajar com o time pra filmar o Ride The Sky, aquele tempo foi bom. Tudo parecia tão simples na época, sem Instagram ou rede social pra se preocupar. Só amigos andando de skate, impulsionando uns aos outros. Filmar o Road Less Traveled também foi incrível, fomos pra muitos lugares incríveis, vimos coisas que nunca imaginamos e construímos memórias pra vida toda.

Como você quer que a Fallen seja lembrada no skate? O que te dá mais orgulho?
Quero que a Fallen seja lembrada como uma marca feita para os oprimidos, os ratos casca grossa do skate. Não acho que agora seja a hora de se orgulhar. Sou muito agradecido por todas as experiências e coisas boas que passei com o time e com os funcionários durante os anos.

Você assinou a nota à imprensa sobre o fim da Fallen com um “Skate or Die”. Se você não pudesse andar de skate, ou não tivesse mais nenhuma marca, consideraria se matar?
Provavelmente! (Risos) Não, eu me dedicaria mais à minha família e, mesmo que não andasse mais, ficaria relembrando os momentos em que andei. Eu amo a vida, e o skate é o que eu conheço e amo. Aquilo foi uma mensagem pra quem se alimenta do skate, mas não anda.


entrevista por Ian Michna – Jenkem
tradução por Felipe Minozzi (Fel)

Artigo original


P.S.: nós entrevistamos o time da Nike SB que passou pelo Brasil no mês de abril, e perguntamos pra eles sobre o fim da Fallen. Assista se ainda não assistiu. E assine o canal pra não perder mais nada.

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