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Vanessa Torres – Jenkem

O skate não para de crescer e ganhar território. Apesar disso, o skate feminino ainda continua “preso” no seu cantinho, sem tantas oportunidades e visibilidade. A Jenkem, através de Anthony Pappalardo, entrevistou uma das maiores expoentes da categoria, Vanessa Torres.

Street League, Leticia Bufoni, alcoolismo, patrocínio e direitos dos homossexuais foram os assuntos dessa conversa que merece sua atenção.


Como é que tá? Ouvi dizer que você parou de beber recentemente.
É, esse Dia de Ação de Graças foi, provavelmente, minha primeira experiência sóbria com a minha família, então foi bem engraçado. Acho que foi a decisão mais inteligente que já tomei. Agora, quando eu quero andar de skate, não perco vários dias numa ressaca de merda. Sinceramente, até mesmo se você só bebe um pouquinho quando sai, ainda se sente um pouco estranha quando vai andar de skate no dia seguinte. Você só percebe isso quando para completamente.

Eu estou trabalhando num texto sobre skatistas que hoje estão sóbrios, ou que sempre estiveram.
Beber é uma grande parte do lifestyle do skate, as duas coisas andam lado a lado. É por isso que sinto que fui atraída pra isso, porque é isso que todo mundo diz que você tem que fazer. Ninguém tava me dizendo que não precisava ser assim. Pelo contrário; muita gente me incentivava, porque ninguém gosta de beber sozinho, né? A tristeza adora companhia. Mostrar o lado sóbrio do skate é bom porque, provavelmente, tem muita gente por aí que vai se identificar ou que precisa ver esse tipo de coisa. No meu caso, eu sabia que estava indo num caminho muito ruim e nada melhorava. Eu simplesmente parei, de uma hora pra outra. Me sinto até sortuda, porque a transição está sendo fácil, muito por causa do skate. Acho que quando você vai largar um vício desses e não tem uma válvula de escape, como o skate é pra mim, é muito mais fácil ter uma recaída.

Vanessa Torres durante o Street League 2015. (Foto: Divulgação/Street League)

A impressão que eu tenho é que as meninas são uma comunidade muito forte. No Street League, os caras são todos sérios, mas as meninas estavam sempre rindo, pareciam estar só se divertindo.
(risos) Nós somos tão poucas, entende? Somos mais fortes quando estamos juntas. Todas nós compartilhamos o amor pelo skate mas, com as mulheres, é uma amizade diferente, porque somos nós que estamos trabalhando forte pra manter nossa categoria em evidência – mais ninguém. Nós temos um certo apoio dos homens, mas não estamos no topo da lista de prioridades. Eles são educados e respeitosos, mas ninguém se esforça mais que o necessário pra promover o skate feminino. Seria muito bom se mais caras estivessem abrindo a boca pra falar bem do skate feminino. Mas, pô, eles obviamente tem outras coisas pra fazer, então a gente mesmo faz isso.

Você acha que o skate feminino tá meio de fora da grande indústria do skate?
Sim! Vou ser totalmente honesta: eu estou nesse mercado há muito, muito tempo e nunca vi ninguém falar disso como estou fazendo agora. Definitivamente, há uma segregação e eu, como parte dessa comunidade de mulheres muito fortes – até mesmo aquelas que não andam, mas estão envolvidas e comprometidas com as mulheres do skate, que querem ver tudo isso crescer e prosperar – sei que todo mundo quer igualdade, mas ninguém está com o pé no chão, dizendo que o skate feminino não está em pé de igualdade com o masculino e nunca vai estar. O skate feminino é uma categoria separada, um mundo completamente diferente. A política fez com que isso acontecesse, mas eu também vejo o lado bom disso. Vamos crescer e tomar isso pra gente. Vamos trazer mais mulheres; não vejo problema que isso tudo seja só nosso, separado. Pode demorar, pode não dar certo. Mas o que for pra ser, será. Isso é visto como uma coisa negativa, mas não é. Estou ficando mais velha e vejo todas essas meninas surgindo, cheias de vontade, andando muito, e quero vê-las se dando bem no skate. Se for pra ser uma coisa separada do “mundo dos homens”, tudo bem. A gente consegue fazer isso acontecer.

Vanessa Torres colocando os direitos dos homossexuais em pauta. (Foto: mahfia.tv / nam-chi van)

Por que você decidiu correr o Street League com uma camiseta falando dos direitos gays?
Eu não ando mais pra empresas grandes, e poder ser eu mesma é muito bom, empoderador. Eu luto pra representar a mim mesma e outras pessoas  – amigos, família, pessoas que nem conheci ainda. Sempre surge uma oportunidade de ir lá e falar o que você quer. A minha amiga Worm, que surfa e anda de long, me mandou a camiseta pelo correio uns dias antes de eu viajar pra Chicago, e eu adorei poder usar no dia do campeonato. Fui lá representando a mim mesma e as pequenas empresas que me patrocinam hoje, sem ninguém me falando: “Putz, não acho isso uma boa ideia. Não acho que isso vai ser visto do jeito certo”. Tipo, eu tô pouco me fodendo! Pra falar a verdade, esse negócio da camiseta foi mais falado que… Bom, provavelmente, o mesmo tanto que o meu skate. Mas o que importa pra mim é que muita gente gostou e respondeu positivamente à camiseta. Não fiz aquilo pra fazer graça, não era piada. Foi muito bom estar lá, usando essa camiseta, porque isso é um assunto importante, especialmente no skate. Eu sinto que tem muitos gays no skate, mas ninguém realmente assume, fala sobre isso… Pelo menos, no skate masculino é assim.

Talvez tenha a ver com os patrocinadores.
Estamos no século 21, é loucura! A indústria do skate ainda é muito conservadora, reservada e censurada. Acho que tudo isso ainda vai demorar um tempo pra mudar. Acho que é um estereótipo no qual a maioria dos caras acham melhor duas mulheres se pegando do que dois caras. As pessoas tem medo de apoiar algo que a maioria não apoia. E pode mesmo ser difícil quando não tem muita gente do seu lado. Eu entendo. Eu não me assumi de uma maneira grandiosa, triunfante; sempre fui eu mesma, honesta comigo mesma. Nunca fiquei: “Aww, vou me assumir!”, entende? É parte de quem eu sou, então aconteceu naturalmente. Esse assunto, dentro do skate, é muito interessante, e eu acho que não tem muita luz jogada nisso. Isso não deveria nem importar, porque não muda o modo como alguém anda de skate.

Já falamos sobre homossexuais no skate no TGBMWSSS com o Samelo. Assista acima aos 6m51s.

Se você pensar saindo do skate, uma grande parte do problema com a comunidade LGBT nos Estados Unidos é a conscientização. As crianças não conhecem outro estilo de vida que não seja o heterossexual. É a mesma coisa no skate. O que aconteceria se um moleque entrasse numa skateshop e as paredes estivessem cheias de shape com dois caras de beijando?
Provavelmente, seria recebido de forma muito estranha. As crianças sairiam de lá tipo: “O que foi isso que eu acabei de ver?”

Uma loja que vendesse um shape desses provavelmente seria boicotada ou algo do tipo.
Ah, certeza. Quer dizer, só essa conversa sobre o assunto já traz à tona um monte de coisa. Com o skate estando maior do que sempre foi – parece que agora engatou e está na melhor forma – você poderia pensar que estaríamos provocando um impacto positivo no resto do mundo. Mas não estamos. Eu acho que eu estou fazendo. Acho que eu contribuo e faço minha parte, mas isso é só uma consequência da minha expressão natural. O que me incomoda é que a indústria poderia estar fazendo muito mais, mas não está. Todo mundo está focado em ganhar a porra do dinheiro. Eu entendo que você precisa de dinheiro pra viver, mas as pessoas tornam-se gananciosas. Essa é a imagem. Essa é a imagem que vem sendo projetada pelo skate, e é por isso que as crianças compram um shape, produtos e começam a andar. Eles são facilmente influenciados por esse aspecto, e muito disso não está certo.

Indo pro outro lado disso tudo, como você se sente vendo como a imagem da Leticia Bufoni é vendida e chega ao público?
Como eu disse no começo, ninguém tá falando isso, mas eu vou falar e foda-se: eu acho que ela é foda. Ela é uma pessoa foda, eu a conheço desde pequenininha, muito jovem. Ela anda muito, e me parece que toda essa percepção dela como um símbolo sexual… Não é isso que nós somos. Acho que isso tira a atenção de toda a habilidade que ela tem em cima do skate. Isso está sendo muito mal direcionado. Acho que ela gosta de fazer o que faz. (risos) Ela é, provavelmente, a única mulher no skate que tem um agente e anda pra essas grandes corporações, tipo a Nike. E é só minha opinião pessoal, mas acho que a Nike gosta de pegar as pessoas quando ainda são jovens pra poder moldá-los, e ela é perfeita pra isso. Ela é linda, anda muito e é, provavelmente, fácil de convencer – talvez até ser manipulada – a fazer coisas que ela não quer. O agente dela é um cara, e eu não ouvi coisas boas sobre esse cara. Tenho certeza que ele fica tipo: “Ah, sim, você provavelmente deveria fazer aquilo lá”, mas pensando nos seus próprios interesses, não nos dela.

Leticia Bufoni na Body Issue 2015, revista da ESPN. (Foto: Divulgação)

Claro, o agente dela só tá pensando na porcentagem dele.
É, troque os papeis e veja se ele, sendo mulher, faria as mesmas coisas. Aposto que ela não estaria fazendo a maioria das coisas que estamos vendo por aí. Acho que ela teria mais sensibilidade em alguns assuntos, como posar nua e tal. Provavelmente, o agente dela está empurrando ela pra essas coisas. Eu não ouvi da boca dela, mas fiquei sabendo por outras pessoas que ela estava meio insegura, com dúvidas sobre toda aquela parada da ESPN. Pô, nem andando de skate ela estava, cara! Nem andando de skate! Ouvi dizer que ela estava tentando dar um disaster de back num quarter que eles arrumaram mas, obviamente, apareciam partes que não eram pra aparecer, deixando-a exposta. Acho que levou um tombo e arranhou o quadril, então maquiaram o local. Mas o artigo, toda a edição era sobre “esportes de ação”, e cair faz parte do que fazemos. A gente se machuca, cara; é assim que devemos ser mostradas. Aquilo tudo foi uma piada, na minha visão. Só uma piada. Acho que muitas de nós, mulheres com quem conversei ou mostrei as fotos dela, não concordamos que essa seja a imagem que queremos passar, mas acho que ela já está fazendo isso por todas nós. (risos) Porque nenhuma de nós vai fazer essa merda! Sem chance.

Me fala sobre o seu patrocinador, a Meow, e quais as diferenças entre eles e a Element.
Quando eu entrei na indústria, fiquei maravilhada com tudo, porque nessa idade – eu tinha 14, 15 anos – eu não tinha ideia do que era ter um patrocínio, ser parte de um time, contratos… Não tinha ideia. Minha mãe lia os contratos pra mim e “traduzia”, mas eu nunca tomei conta pessoalmente da minha carreira. Honestamente, eu agradeço por ter experimentado todo esse lado dos negócios do skate porque, no fim das contas, foi isso que me trouxe até aqui e me tornou quem eu sou hoje. Isso funciona pra muita gente. Quando meu contrato acabou, eles me tiraram do time, tiraram meu salário e tudo mais, mas eu era uma idiota. Jovem. Jovem e idiota. (risos) Eu fiz um monte de besteiras pela primeira vez mas, como estava de contrato assinado, meu erros eram quebras de contrato. O que você imaginar, eu fiz. Eu não tinha ninguém pra me dizer “não faça isso”, só o Ryan DeWitt (do marketing da Vans), que faleceu recentemente e era muito próximo – meu marido platônico, na verdade. Eu amo aquele cara. Ele sempre segurou as pontas pra mim porque, quando minha mãe não estava por perto, ele estava. Acho que ele sabia que eu ia fazer o que quisesse mesmo, então ele só ficava por perto, via eu fazendo as cagadas e, com alguma esperança, me indicava o caminho certo pra não errar de novo.

Uma jovem Vanessa Torres em um anúncio da Element. (Foto: Reprodução)

Com a Element acabou assim. Depois, acho que fiquei boiando por aí por um tempo. Estava bebendo bastante e ainda andava, mas não o quanto eu gostaria. Aí, a Lisa Whitaker, que eu conheço desde os 14 anos e filmou quase tudo que tenho de imagens – e ainda filma – começou a Meow e eu… Eu nunca tive uma relação pessoal com a Element. Eles lançaram um monte de models com o meu nome, mas eu nunca participei da criação de nada disso. Nenhuma arte. Eles apenas lançavam shapes com o meu nome. Tenho certeza que não gerei uma grana alta pra eles mas, ainda assim, eles estavam ganhando alguma coisa com o meu nome. Acho que foi por isso que me senti atraída e com vontade de ser parte da Meow. Eu já tinha uma relação, uma amizade com a Lisa, e sabia que participaria muito mais dos produtos e artes com o meu nome. Isso foi uma coisa grande. Prefiro ser parte de algo assim do que ser uma parte pequena de uma empresa grande. Sei exatamente com o que quero me envolver. Só vejo coisas boas pela Lisa ser minha amigona e todas as minha amigas também estarem no time. É assim que tem que ser.

Você disse que o Ryan DeWitt cuidava de você e te guiava. Você acha que um dia vai ser essa pessoa pra alguém também?
Acho que já está acontecendo naturalmente. Eu não sinto que tenho uma escolha, mas digo isso positivamente. Finalmente, eu estou em um momento da minha vida que posso aceitar isso de braços abertos. Quero estar envolvida o máximo possível com as meninas novas, porque eu já vivi tudo isso. Eu respondo a todas perguntas ou, se as pessoas me pedem conselho, tento mostrar a melhor direção baseada nas minha experiências. Vou continuar andando de skate, mas quero muito me envolver nisso e ser uma influência positiva na indústria. Se você me perguntasse isso ano passado ou algo do tipo, eu provavelmente ficaria com vergonha e diria: “Não sei do que você está falando”. Mas ficar sóbria, pra mim, só trouxe lados positivos, e quero tirar vantagem disso tudo. Estou ansiosa por isso, por mais estranho que pareça.


entrevista por Anthony Pappalardo – Jenkem
tradução por Felipe Minozzi (Fel)

Artigo original

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